“In Extremis” (127) – “De tanto pensar, morreu burro”

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Exposição na Pinacoteca de Piracicaba. (foto: reprodução Google / Tripadvisor)

Desde a infância, vendo-me debruçado em livros, meu pai dizia-me: “Filho… De tanto pensar, morreu burro.”  No entanto, eu não ouvia. Pois era-me incontrolável – e ainda me é – a ânsia pelos porquês. Há coisas que entendo, mas não compreendo. Outras, compreendo-as e não entendo. E, ainda, aquelas que não compreendo, nem entendo.

Surpreende-me, especialmente, a já divulgada intenção da Polícia Federal em instalar-se na Pinacoteca Municipal. Não entendo e não compreendo. Ora, a PF é uma das mais respeitadas e queridas instituições brasileiras. E a mais bem informada, a mais atenta em defesa da nação. Como, então, não perceber tratar-se de um insulto o que a Prefeitura nos faz e um crime cultural a simples pretensão? Como não perceber a tentativa de violação do templo de nossas Musas?

Que se lembre de Piracicaba ser, também, a “Florença Brasileira”. Pelo encantamento de nossas artes. Por tal benção, a Pinacoteca foi construída – há mais de 50 anos! – como sacrário intocável de um tesouro. E se, lá instalada, a PF viesse a construir duas, três celas para abrigar suspeitos de bandidagem? Interrogar políticos corruptos entre as paredes onde repousa a alma artística de Piracicaba!

E essa, para mim espantosa, celebração do caos antecipado, a que se dá o nome de Metrópole? Metrópole tornou-se o gigantismo urbano do qual, agora, todos buscam fugir. Há uns 50 anos, um notável engenheiro – Maneco Ferraz, enquanto prefeito dos paulistanos – suplicou: “São Paulo precisa parar!” Não foi ouvido e deu no que deu.

A concepção de cidade sempre esteve entre os meus anseios. Na faculdade de Direito, orientavam-nos para o estudo de “A Cidade Antiga”, de Foustel de Coulanges. Foi o grande despertar. E, então, lições de Cícero, de Aristóteles, de Santo Agostinho: cidades não são só de pedras, mas feitas de pessoas, de cidadãos.  Elas são o teatro da vida. Cidade é carne que, quando se transforma, se transforma como um ser vivo. A metrópole é seu gigantismo. O mínimo é o máximo. O lar é o mundo do homem. A cidade, seu ninho.

Durante muitos anos, lecionei na área de humanidades. A preocupação com o destino das cidades já era aguda. Um dos mais importantes estudos, em nível mundial, foi o do urbanista, sociólogo Lewis Munford, com sua advertência quase desesperada a respeito do equívoco em relação às megalópoles. Um de seus estudos, ele o concluiu com “Um breve resumo do Inferno”.

Vê-se a metrópole como futuro. No entanto, o futuro será sombrio se não resolvermos as gravíssimas questões sociais de agora. Seria como construir uma edificação sobre ruínas. Estamos na era da perplexidade. Quem pode, conscientemente, dizer daquilo que nos espera? As transformações mundiais são inéditas. A economia está em acelerado processo de revisão. O mundo não mais suporta a perversão da desigualdade. A fome, a miséria, o desemprego, o barril de pólvora caminham lado a lado em dimensão mundial.

Não entendo, pois, o entusiasmo por uma futura metrópole sem que cuidemos, urgentemente, das nossas miseráveis condições de vida em dimensão assustadora. Não se criam realidades a partir da tragédia que estamos vivendo. Como pensar o futuro sem, antes, assistir, atender e até mesmo socorrer moradores de rua, desempregados, famílias desalojadas por não poderem pagar aluguel, a fome, a saúde dos mais necessitados que são, na verdade, a grande maioria? Novos empregos exigirão alta qualificação técnica. As multidões despreparadas podem ter esperança?

Quanto mais penso, mais burro fico.

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