“In Extremis” (192) – “… bom sujeito não é.”

Lawn or soccer field with thick, soft green grass. A standard pa

(imagem: https://pt.vecteezy.com/)

Há muitos anos, tive uma namorada de quem gostei muito. Aliás, nunca namorei sem gostar. Até mesmo exagerei, entregue a paixões. Mas – ora, bolas! – como é possível viver sem apaixonar-se? Paixão por filhos, por amigos, por ideias, por objetivos. O fato é que tive uma namorada por quem me apaixonei. Percebia, no entanto, haver algo estranho no relacionamento.  Sentia um não-sei-quê esquisito naquela mulher adorável.

Então, certo dia, ela me falou: “Coisa mais idiota, vocês, homens, ficarem alucinados por causa de 22 outros homens correndo atrás de uma bola. Que ridículo!” Ela, minha então amada, detestava o futebol. Pior ainda: ridicularizava. Então, veio-me à cabeça aquela música do baiano notável, o Dorival Caimmy: “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é / É ruim da cabeça ou é doente do pé.” Mudei, de imediato, a letra: “Quem não gosta de futebol, bom sujeito não é.” A mulher amada não devia, pois, ser boa da cabeça ou era doente do pé. Caí fora daquela relação tão amorável.

Ora, entendo e compreendo quem não se interessa por futebol. Desculpem-me eles, mas penso terem questões mal resolvidas com a própria vida. Talvez, aquele “medo de ser feliz”, sei lá eu. Mas compreendo. No entanto, o não-gostar de futebol, o repudiar, o considerar idiotice como o fez aquela minha namorada – isso é imperdoável. Insisto: imperdoável. Pois, essa história de ficar perdoando tudo a todos não é verdadeira. Só se perdoa quem se arrepende, quem se compromete a não repetir a bobagem. Mas hei que relevar, já que, no final das contas, futebol é paixão. E paixão é privilégio. Azar de quem não a tem ou não a conhece.

Admito: paixão é cegueira. No entanto, para os japoneses, isso é, também, virtude, condição para sabedoria. Pensemos nos três macaquinhos: “não vejo, não ouço, não falo.” É uma orientação moral: “não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal.” No entanto, ampliou-se como sabedoria de vida.  Tornou-se, também, uma conveniência, especialmente em tempos caóticos em que multidões falam, discutem, brigam como se tudo soubessem mas sem argumentos. A isso, pensadores definem como “idiotia cultural coletiva”.

Retorno, porém, ao futebol. Até mesmo os que não gostam dessa magia dos deuses do Olimpo hão que admitir: a Copa deixou o mundo mais leve. Já não mais se fala nem mesmo da estupidez entre Rússia e Ucrânia. E até exorcizamos aquela figura horrorosa de Brasília. O futebol é, também, questão política. E grave.

E – acreditem ou não – pode ser questão de segurança nacional. Sou testemunha disso. Foi em 1974. À época, como jornalista, mantinha relações muito próximas com a área política. Em especial com o então Governador Paulo Egydio Martins, que me honrou com sua amizade. A disputa final do campeonato paulista seria entre Palmeiras e Corinthians. E este, há 20 anos, não conseguia o título de campeão. O governador convocou-me para uma reunião na qual eu seria testemunha. O velho Rípoli estava junto. Nela, estavam dirigentes do futebol paulista. E o governador transmitiu a ordem do Presidente Ernesto Geisel: o Palmeiras deveria “entregar” o jogo para o Corinthians ser campeão. O motivo? Tratava-se de segurança nacional. Pois o governo – diante da crise econômica – tinha certeza de que a torcida corintiana iria causar uma revolta popular no país. E seria incontrolável. Ficou tudo acertado. Até o Rípoli concordou com a marmelada. Mas… O Corinthians perdeu, mesmo com o Palmeiras “entregando” o jogo.

Agora, estou nervoso. Escrevo antes do jogo contra a Coreia do Sul. Faço figa.

Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.

Deixe uma resposta