“In Extremis” (201) – De crise e de indiferença

social-media-ge10b57e15_1280

“A comunicação se resume num emissor e num receptor. E nisso está toda a complexidade da atividade que, ao mesmo tempo, é ciência e arte.” (imagem: Gordon Johnson / Pixabay)

Após tantas e tantas reflexões a respeito dela, há quem tenha concluído crise ser sinal de vida. Na realidade, a palavra tem origem médica e, com o tempo, estendeu-se a todas as realidades humanas. Crise acontece precedendo uma transformação. Que pode ser favorável ou desfavorável. Vai daí, a pessoa humana, em sua vida pessoal, entra, também, em crise. E em quantas! Pelo menos, digo-o por experiência pessoal já que me considero alguém em crise permanente. Crise de fé, crise financeira, crise familiar, crise conjugal, crise profissional, crise vivencial, existencial, emocional, política – acho desconhecer o que seja viver sem crises. Logo, se for sinal de vida, vivi e ainda vivo muito. Com intensidade tal que, em alguns momentos, leva à exaustão.

Chego a pensar sejam, as crises, um hábito. Ou algo viciante. Pois, quando tudo parece estar sem problemas ou dificuldades, há estranhamentos. É como se algo estivesse faltando. Ou que a tranquilidade fosse um equívoco ou – quem sabe? – prenúncio de que algo ruim irá acontecer. Talvez seja – mas saiba-se lá – o tal medo de ser feliz. De estar feliz. Aquilo, pois, que o povo bem conhece: “quando a esmola é muita o santo desconfia”.

Minha crise atual está na dúvida quanto ao exercício do jornalismo. Escrever, não consigo parar de fazê-lo. Se o fizer, será como deixar de respirar. Mas continuar no jornalismo, isso já me traz dúvidas cada vez mais cansativas. Pois, nestes tempos de tantas superficialidades, qualquer um que poste qualquer coisa em qualquer espaço da internet já se intitula jornalista. Ou escritor. Surpreendo-me, pois, que – apesar de meus 67 anos de exercício nessa atividade – nunca me reconheci ser isso ou aquilo. Sempre entendi estar sendo. Tentando ser. Um aprendizado cotidiano que, ao final, me torna, na verdade, no que apenas sou: estudante. Ou, como diz a música: eterno aprendiz.

A comunicação se resume num emissor e num receptor. E nisso está toda a complexidade da atividade que, ao mesmo tempo, é ciência e arte. Estamos diante de verdadeiras multidões de emissores, cada qual dizendo o que pensa – ou o que acredita pensar – palavras lançadas ao vento. Mas há receptores? Se houver, parecem escondidos num conveniente – e quase sempre covarde – anonimato. Aventureiros discorrem sobre tudo. E não são responsabilizados.

O Papa Francisco – em sua singular sabedoria – já nos alertou a respeito da atual “era da indiferença”. E a constatação agrava-se quando se acredita tenha, o ser humano, liberdade até mesmo para ser indiferente. No entanto, esse questionável direito individual não seria apenas cumplicidade, conivência? A indiferença – especialmente diante de violações de bens comuns – há que ser responsabilizada. E um dos mais escandalosos exemplos disso está entre nós, no crime cultural que a atual administração cometeu contra a Pinacoteca de Piracicaba. E que ainda comete.

O sr. preboste além da indiferença para com as obras de arte abandonadas em lugar precário no Engenho Central, mentiu vergonhosamente à Justiça e continua impune. Ou a “era da indiferença” teria atingido também setores do Ministério Público? Pois o alcaide assegurou, em juízo, que o prédio da Pinacoteca destruída estava em reforma, após o que o tesouro artístico retornaria àquele espaço. Mentira deslavada. E a Câmara Municipal? Foi atacada pelo vírus da indiferença, tornando-se conivente pelo silêncio?

Homem de oração, começo a pedir aos céus – na crise que me alcança – a perda da capacidade de indignação. Machuca demais.

Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.

Deixe uma resposta