“In Extremis” (219) – Viver sem tevê, sem internet

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“Foi em 1950 que a ousadia aventureira de Assis Chateaubriand inaugurou o primeiro canal de televisão do Brasil, a Tevê Tupi.” (Foto: Benjamin DeYoung / Unsplash)

Quando do último apagão, pessoas ficaram em pânico. Mesmo que o neguem, ficaram. Sem tevê, o que fazer? E sem internet? Nem o celular funciona! E, então, dúvidas são justificáveis quanto à propalada liberdade da pessoa humana, da qual se diz exercer plenamente a sua vontade. Equívoco que se repete. Pois somos incrivelmente dependentes, apesar de também vivermos uma interpendência constante.

No entanto – e por incrível possa parecer – houve uma época de um Brasil sem tevê. E, muito menos, sem internet. Foi em 1950 que a ousadia aventureira de Assis Chateaubriand inaugurou o primeiro canal de televisão do Brasil, a Tevê Tupi. Em Piracicaba, aconteceu com Eduardo Fernandes Filho, em 1953, em sua loja Mercantil Piracicaba. Logo em seguida, Romeu Italo Rípoli e João Guidotti fundaram a Sobratel, Sociedade Brasileira de Televisão, produzindo o aparelho tido como milagroso. O primeiro televisor foi adquirido pelo Clube Coronel Barbosa. E a população aglomerava-se, à porta da Mercantil, para, encantada, ver as figuras movendo-se naquela telinha sedutora.

Mas e antes? Como era possível viver sem televisão? E sem internet? Pois vivia-se, sim. E, talvez, com mais liberdade e espírito de criação. Era o império do rádio. E o espalhafatoso aparelho ornava a sala principal das casas de famílias mais abonadas. Onde morávamos, era dona Maria Mattiazzo quem o possuía. Mas, generosa, levava-o – com longos fios de eletricidade – até a calçada para os vizinhos ouvirem a novela que os fascinava. Era “O Direito de Nascer”.

É intrigante lembrar. E, às vezes – ou no mais das vezes – entristecedor. Pois não há como deixar de concluir tenha havido como que um choque entre desenvolvimento tecnológico e humanismo. Responsabilidade primária, certamente, de uma economia global desumanizada, produtora de um individualismo que chega a ser cruel. Mais ainda: as conquistas tecnológicas demonstram quanto e como a máquina já ocupa o lugar do ser humano. E como irá substituí-lo com a presença marcante da inteligência artificial. Na realidade, estamos preparando-nos para a vida virtual: conviver virtualmente, amar virtualmente. Creio – cá com minhas reflexões – que medos, muitos medos, especialmente medo do desconhecido deixaram-nos a vida fantasmagórica.

Aliás, alguém da Prefeitura – com a naturalidade dos que sugerem por sugerir – falou de um projeto de reformulação da Praça José Bonifácio, na expectativa de a população voltar a passear no jardim. E enfatizou: “passear à noite”. Ora, quem conhece algum amigo ou conhecido que costume passear à noite pela Praça José Bonifácio? Bares e restaurantes cerram suas portas logo ao anoitecer. Um que outro aguarda um cliente corajoso ou descuidado que se arrisque a perambular por ruas tomadas por infelizes pessoas sem abrigo e desoladas. Como imaginar, pois, que se venha a embelezar um local tomado por pequenas multidões sem destino quando nada se faz para minorar o sofrimento delas? Reconstruir uma praça que está entregue ao silêncio noturno de casas bancárias que reinam absolutas no espaço que era do povo?

É óbvio desejarmos, de homens públicos, cuidem da cidade. Que a embelezem, que a protejam. Acima de tudo, porém, estão o bem-estar, a segurança, a tranquilidade da população. Até aqui, os governantes não se mostraram à altura de nosso dramático processo de transformação. Governar é estabelecer prioridades. E a prioridade máxima, agora, é atender os que clamam por socorro. De fome. De frio. De abandono.

Vive-se, sim, sem internet e tevê. Mas não se vive sem o outro.

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