“In Extremis” (220) – Namorar (e viver) como arte

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“Namorar a beleza, namorar o bem, namorar a solidariedade. Namorar a vida! E, portanto, encontrar, na natureza, o referencial de existência.” (imagem: pesquisa Google)

Países mais desenvolvidos preocupam-se com o recolhimento dos moços em suas casas. Ora, se jovens não se relacionam entre si, põe-se em jogo a questão populacional, a própria procriação. Na realidade, porém, há um receio crescente em relação à comprovada escassez de mão de obra. Em destaque, a especializada. E a também preocupante constatação: enquanto diminui a natalidade, aumenta o tempo de vida das pessoas.

Estamos, pois, colhendo os frutos amargos da estupidez de uma desumana economia de mercado sem regras. É o “vale tudo” no qual os litigantes são os poderosos. Para eles, só existem os que têm capacidade de consumir, de comprar. O povo humilde, desassistido, esse é-lhes simples ficção. Enquanto mais se desenvolvem as maravilhas tecnológicas, mais, paradoxalmente, perde-se a solidariedade humanística.

O que namorar tem a ver com isso? Ora, na opinião velhusca do escrevinhador, tem quase tudo. Namorar significa, originalmente, “em amor”. E é o amor entre pessoas, entre casais que renova o espírito da humanidade. Com frescor, com esperança, com consciência de continuidade.  E o amor tinha um ingrediente fantástico que lhe fortalecia: a transgressão. Amar era desafiar costumes, regras, leis, normas. Uma canção, de Dorival Caymmi, conseguiu refletir esse poder de amantes diante de todos os obstáculos: um amor do qual “até Deus duvida”.

Sem desafios, a vida é feita de monotonias. Sem graça. Quando o Papa Francisco falou não existir o Inferno, acredito que ele tenha complicado as coisas em vez de facilitá-las. Já o havia dito Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”. Nem todos. Mas a sociedade, como um todo, quase sempre é infernal. Desafiá-la, enfrentá-la, transformá-la é desafio de todas as gerações, desde, acho eu, quando o ser humano tomou consciência de sua liberdade, esse bem tão difícil de usufruir.

Seria, então, um mundo sem leis, sem regras? Absolutamente, não. Uma única regra, a “de ouro”, haverá de trazer-nos paz, harmonia, tranquilidade: “não fazer ao outro o que não deseja seja feito a si mesmo.” O capitalismo selvagem é a negação do sonho e do ideal de respeito mútuo. Sistema tão tirânico quanto o de qualquer tirania. E a democracia tornou-se terra fértil para o plantio da injustiça. Em nome da liberdade.

A nossa estupidez – especialmente a das últimas décadas – teve o poder de anestesiar a juventude. De impedir-lhe sonhos, audácias, ousadias. Os que a criticam ou não sabem o que fazem ou apenas fingem. Pois jovens estão perplexos, fragilizados, com tanto medo quanto os idosos, ainda que estes finjam não o ter. Se não há, ainda, o sentimento de impotência diante do mundo, existe a intuição. Como enfrentar a bomba? Como defender meu cantinho se até Marte está ameaçada de invasão? Quem tem forças contra essa aliança maldita entre banqueiros e políticos?

A única resistência possível está – como sempre esteve – no “em amor”, em namorar. Pessoas namorando, namorar a beleza, namorar o bem, namorar a solidariedade. Namorar a vida! E, portanto, encontrar, na natureza, o referencial de existência. Assumir-se como parte dela, desfazendo-se da pretensão de dominá-la. E, então, viver com céus claros e nublados, com silêncios e com trovoadas, com invernos e verões. Para poder saborear outonos e primaveras.

Precisamos, urgentemente, de jovens apaixonados. Que exponham seu amor. De mãos dadas, fazendo serestas, trocando flores, tendo sonhos semelhantes. A vida é, antes de mais nada, herança. O materialismo está apoderando-se dela. Namorados plantam esperanças.

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