“In Extremis” (226) – Sonhar de olhos abertos

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(imagem: Prawny / Pixabay)

           E, então, percebi envaidecer-me de mim mesmo. Dei-me conta de estar sonhando de olhos abertos. Um imaginar, um idealizar, um querer. E avaliar ser-me uma quase habitual prática, hábito. Ora, sonhar dormindo acontece. Só de recordar das interpretações de Freud e de Jung – e de outros pensadores – o mais prudente e cauteloso seria o escrevinhador calar-se. No entanto, sonhar acordado não é o mesmo que sonhar dormindo. Logo, o sonho é meu e ninguém tem nada a ver com isso. Nem Freud, nem Jung. E nem Nietzche.

Piracicaba desperta-me sonhos maravilhosos. Fico imaginando coisas. Afinal de contas, a realidade não é apenas o que os sentidos, em seus limites, conhecem. Há o desconhecido. E mesmo tudo o que está criado foi, antes, imaginado. Algumas vezes, porém, surgem como pesadelos diante de descuidos e desprezos contra ela cometidos. Acontecem, também, com olhos abertos. Ou especialmente diante do que se vê acordado. Na realidade, é problema – se assim for entendido – fruto de educação familiar. Pois, em nossa casa, havia reuniões diria que permanentes. Eram portas abertas. Iam músicos do conjunto de meu pai. Amigos da família. Conhecidos que passavam por perto. E, à noite, deliciava-me – ainda garotinho – em ouvir as conversas dos cavalheiros. Pois eram coisas contadas por meu pai, por Leandro Guerrini, João Chiarini, os Neme, os Coury… E o encantamento de, algumas vezes, Thales de Andrade narrando as suas lembranças.

Eles falavam de Piracicaba e suas maravilhas. O arruamento central elaborado pelo Senador Vergueiro e realizado pelo Alferes José Caetano. A segunda cidade brasileira a ter, graças a Luiz de Queiroz, energia elétrica nas ruas. A segunda, com telefonia. A mais alfabetizada das cidades paulistas. E a segunda, no Brasil. E a paixão pelo XV, o primeiro a ingressar na Divisão Especial do futebol paulista? Ah! meu pai – uma das pessoas mais ternas e calmas que conheci – saindo aos tapas com os que nos chamavam de “cortadores de cana” ou por falarem mal do Nhô Quim.

Ainda na infância, descobri ser, Piracicaba, minha casa, minha família, meu mundo. E essa convicção nunca mais me abandonou. Fui zombado por filhas minhas quando, diante do Mississipi, lhes disse o rio Piracicaba ser mais bonito. E que a pedreira do Bongue é mais fascinante do que o Grande Canyon, ora bolas. O nome disso é paixão. E, portanto, uma intoxicação que nem médico ou medicamento curam. A paixão apodera-se da pessoa por inteiro. Mas, ao mesmo tempo, filósofos constataram que nada de grande foi ou pode ser realizado sem paixão. Jesus é testemunha maior.

Tal doce e incurável loucura voltou a assaltar-me ao ver, num programa de tevê, o encanto de uma pequenina cidade italiana: Polignano al Mare. Nunca soubera de sua existência. Encantei-me e, ao mesmo, indignei-me. Ó, céus! Há quantos e quantos anos este jornalista quase implora para colorirmos e florirmos nossa cidade? Vasos nas janelas, às portas das casas comerciais, no alto dos edifícios. E colorir as casinhas da Rua do Porto. Cores vivas, alegres, até mesmo escandalosas! Por que não o fazer nos bairros, nos distritos, nos quarteirões onde moram?

Imaginemo-nos todos animados numa fraterna competição em busca da beleza. Qual a quadra mais bonita, mais colorida? Qual a que mais nos desperta sentimentos de prazer, de alegria? Lembrar que, no Latim, “cor-cordis” refere-se ao coração. Aquele lugarzinho que irriga os corpos. Ora, as cidades são corpos vivos. E, portanto, têm alma e coração. Que, nelas, são sua história, seu passado, sua gente.

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