“In Extremis” (3) – A(r)mai-vos uns aos outros

fraternidade_Pixabai

(imagem: Pixabai)

Ética, direito, legislações, ordem moral, civilizações, nações – toda essa organização humana tem, como fonte originária, crendices, crenças, superstições, folclore, religiões. É a presença do sagrado no profano, vindo – não importa o porquê – do medo, do susto, da fé, da revelação, do conhecimento. Dos mais diversos politeísmos, das crenças tribais até o monoteísmo judaico-cristão-islâmico, as sociedades humanas criaram – desde as funduras dos tempos – deuses ao mesmo tempo benfazejos e vingadores. Além do caráter sagrado, seus livros e lições são fontes de sabedoria: o Bahgavad-Gita, Upanishads, a Bíblia judaica e a cristã, os Evangelhos, o Alcorão, os Analectos de Confúcio, os diálogos do Buda, o Tao Te King…

São quase trinta séculos de revelações, de propostas, de orientações, de apelos para a fraternidade universal. Não há mais o que procurar. Basta ter coragem e vontade de encontrar. E, então, de viver o que se encontrou. Ora, perguntará o eventual leitor: por que tais considerações preliminares? Respondo com o coração acelerado: porque estou com medo. Com muito medo. Os sinais dos tempos estão cada vez mais claros e evidentes. Uma bomba atômica moral já desabou entre nós, em todas as escalas da humanidade. E o genitor da primeira grade bomba, Oppenheimer – ao ver, explodindo no deserto, o monstro que criara – recorreu ao Bhagavad-Gita, no qual é Deus que fala: “Eu me tornei a morte, o destruidor dos mundos…”

Insisto e repito-me: estou com medo. Com muito medo. E me é inevitável recorrer a Marx, no seu “18 Brumário”: “A história se repete, a primeira vez como tragédia, e a segunda como farsa.” A grande questão é que, por repetir-se, a farsa se transforma em tragédia ainda maior. E isso está sendo anunciado nas ruas, na evocação e invocação de deuses humanos, de heróis, de mitos de super-homens. Quando Nietzsche declarou: “Deus está morto” ele enxergou, antes de todos, a divindade ser substituída pelo super-homem. Nietzsche teria, apenas, anunciado a falência espiritual do Ocidente cristão, a de “um deus” levado à falência. Em resumo: um desafio aos próprios cristãos, a encontrarem uma resposta.

Mussolini acreditou no super-homem e quis transformar-se nele.  Hitler acreditou ser o verdadeiro e único super-homem, dando-se o poder e o direito de selecionar quem poderia viver e quem deveria morrer. E outros ditadores – em maior ou menor escala – acreditaram no homem substituindo Deus: Salazar, em Portugal; Franco, na Espanha; Getúlio, no Brasil; Perón, na Argentina; Stroessner, no Paraguai.  E outro monstro de ódios, Joseph Stalin.

Mitos são, em análise simplista, versões fantasiosas – quando não apenas mentirosas – que contam histórias com algum fundo de verdade. Quando chega ao desespero – ou à beira dele – uma pessoa ou um povo impotentes precisam de um poder superior que os mantenha vivos. E a impotência moral acontece quando se depara com a “morte de Deus”. Somente, pois, um super-homem – herança de Nietzsche – poderia suprir esse vazio. Como o povo das cavernas, as multidões vão às ruas entronizando o Mito, carregando ídolos representando o Super-Homem, o Super-Herói. Eis o sinal da tragédia: os entronizados acreditam nisso. E o resto, a bomba atômica moral irá contar.

A crença em Deus, em deuses, em divindades induz e conduz a um esforço coletivo pela fraternidade. Cristo resumiu tudo numa simples frase: “Amai-vos uns aos outros…” Ou seja: desarmar-se de ódios, de ranços, de crueldades. O Mito e o Super-homem propõem o contrário: “Armai-vos uns aos outros…”

Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.

Deixe uma resposta