In Extremis (69) – Simplesmente Totó

Antonio-Carlos-Danelon

Antônio Carlos Danelon, o Totó. (foto: Blog do Amstalden)

Há muito tempo, não me punha a escrever com tanta tristeza no peito.  O anúncio da morte de Totó trouxe-me a doída certeza de não, apenas, ter-se findado um homem admirável, mas, com ele, uma era, um tempo, uma época. Antônio Carlos Danelon – então, um adolescente nos meados dos 1960 – surgiu como um anúncio de alegria naqueles icônicos “Anos Dourados”.

Não me avexo de recorrer ao poeta: “Amávamos os Beatles e os Rolling Stones”. O mundo deixara-se envolver por uma colcha de esperanças, tecida e bordada por uma juventude transformadora. Um filme parecera prenunciar toda aquela magia que encantava a humanidade: “O Mágico de OZ”. Nele, antecipava-se ser possível sonhar qualquer sonho. E a música – “Over the rainbow” – incendiava-nos a alma para irmos “além, muito além do arco-íris” – onde os sonhos realizavam-se. Era, foi possível.

Penso em Totó e – com tristeza silenciosa – lembro-me das quantas vezes homens, mulheres, jovens reuníamos não mais para sonhar, mas com a certeza de estarmos, a pouco e pouco, resgatando pedacinhos do paraíso perdido. A cada encontro, eu despedia-me das pressões da ditadura e, dentro de mim, um outro poema pulsava alvissareiro: “Vou-me embora para Pasárgada; lá sou amigo do rei.” Era, também, o Shangrilá. Para quase todos nós, tratava-se de uma descoberta. Totó, porém, sentia-se em sua própria casa. Ele era íntimo do inexplicável.

Conheci-o em sua adolescência e como meu aluno na Faculdade de Serviço Social. Totó não era diferente de ninguém. O que, nele, havia era luz, uma pálida luz que nem ele próprio percebia. Parecia nunca haver escuridão, nem mesmo penumbra na história daquele ainda garoto. Era como se a vida – com todos os contrastes e confrontos – não tivesse complexidade. Pois Totó conseguia simplificar o que nos parecia complexo. Para ele, viver não era apenas viver. Para Totó, viver era “viver para”, “viver com”. O viver dele foi servir.

A devoção de Totó por Maria era comovedora. Emocionava. Não se tratava de pieguice, pois ele abominava a fé piegas. Era algo profundamente encarnado. Nossa Senhora, para ele, sempre foi um ser vivo, palpável, concreto. E foi com Totó que, finalmente, entendi a beleza do “Magnificat”, Maria declarando-se “serva do Senhor”. Ora, não se tratava de ser escrava, mas da dimensão sublime da palavra serva, o estar a serviço.

O insuperável – ainda que, hoje, quase esquecido – George Bernanos dizia: “A graça é esquecer-se”. Não se trata de anular-se, mas de reconhecer-se como parte do universo. Não se pensar “rei e dono das coisas”, mas condômino. Totó esqueceu-se de si. Doou-se por inteiro. E, quando conheceu Suely – com quem se casou – sua humanidade completou-se de vez.

Um santo? Não, não, longe disso. Totó foi um ser humano com todos os limites do ser humano. Ele sempre soube disso. Nunca foi bonzinho. Nem mesmo em suas intensas atividades sociais. Totó – por dom, por intuição – conseguiu conciliar aquilo que Agostinho de Hipona propusera: “Caridade justa, justiça caridosa”. Seus hormônios italianos, porém, nunca o impediram de usar do chicote.

Imagino-o chegando às portas do mistério, do infinito. Pois, com certeza, ele ainda está por aí, disponível para socorrer alguém. Jesus está esperando-o: “Bem-vindo, meu filho. Você é digno de entrar em minha casa. Pois, “tive fome, e você me deu de comer; tive sede, e você me deu de beber; era estrangeiro, e você me hospedou; estava nu, e você me vestiu; adoeci, e você me visitou; estive na prisão, e você foi me ver.”

Totó não se explica. Ele foi e é simplesmente Totó.

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4 comentários

  1. Ilda soeli Barbosa Danelon em 30/09/2020 às 05:29

    Como foi prazeroso ler isto. Simplesmente maravilhoso!!! Muito obrigado Cecílio.

    • Patrícia Elias em 30/09/2020 às 08:45

      Cara Soeli,
      Contar com a presença e amizade do Totó foi uma honra para Cecílio e toda nossa família.
      Receba nosso grande abraço, nesse momento.

  2. Julio Cesar de Godoy em 10/10/2020 às 03:22

    Bom dia Cecílio e Patrícia. Hoje dia 10 de outubro de 2020 (3:15hs), Grande Amigo, e estar com ele você sentia a presença Divina! Esse sim é especial! Julinho Godoy.

  3. Daisy Costa em 11/10/2020 às 21:20

    Maravilhosa definição de Totó!
    Ainda inconformada com sua partida…
    abraços ao grande Cecílio e à Soeli, companheira de Totó

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