Saudade do Bar da Flora

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Essa matéria foi publicada em outubro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba. 

Certo dia, um advogado tomou um táxi na rodoviária de Piracicaba e pediu ao motorista que o levasse a um local que servisse que servisse peixe. Em poucos minutos, o carro estava na rua do Porto, em frente ao Flora’s Bar, que ficava na esquina com a Rua 15 de Novembro. Almoçou e pediu à proprietária do local que chamasse um táxi. À noite, ele voltou com todo o pessoal da Prefeitura a tiracolo, entre eles o então prefeito João Herrmann Netto.

A partir daquele momento, o bar de Francisca Flora da Silva, a Flora, passou a ser reduto político da cidade. “Não ia só do PMDB não. Lá frequentava todo mundo”, lembra Flora, sorrindo. E Pedro del Picchia, em seu livro “A Batalha Vive (A Democracia Chega a Piracicaba), confirma. “O Bar da Flora é a crônica do governo popular do PMDB de Piracicaba”.

Mas Flora é mais que isso. Ela é a história da rua do Porto. Hoje, aos 48 anos, sorri ao lembrar das coisas boas. Mas não consegue conter as lágrimas ao falar da enchente de 1982, quando perdeu tudo. “Fiquei com meus filhos vestindo os restos que me davam. Fui vítima da política”, desabafa. –

Filha de uma família de classe média alta, Flora teve uma infância feliz. Estudou nos melhores colégios da cidade. Formou-se professora e contadora. Mas o casamento não deu certo. Foi parar na Rua do Porto, onde instalou um bar. Umm local simples mas que atraiu gente importante. “O Luiz Ceará, repórter da TV Bandeirantes, diz que eu sou o seu “é-de-coelho”. Na verdade, ela foi também o amuleto da sorte de muitos jovens viciados. “Ajudei muitos a se recuperarem”.

Um dia, Flora viu um jovem jogar toda a sua roupa nas águas do Piracicaba. “Por causa do vicio”. Depois, com a única peça que lhe restou no corpo, uma cueca samba-canção, atravessou a rua e foi até o bar. Lá explicou: “Me disseram que a mãe do rio devolve as roupas no varal da pessoa que a gente mais gosta. Vou ficar aqui, esperando”. Flora acabou cuidando dele, deu-lhe comida, as roupas dos filhos. Hoje, recuperado, o rapaz é um engenheiro conhecido e respeitado na cidade. “Não há repressão hoje. Os jovens não precisariam ser viciados. Mas falta carinho dos pais”, afirma.

DECISÕES

Pouca gente sabe, mas no Bar da Flora foram tomadas decisões importantes. Uma delas foi quando o arquiteto Oscar Niemeyer aceitou a incumbência de projetar o novo Polo de Desenvolvimento de Piracicaba, que tinha a proposta de puxar a cidade para uma ponta inexplorada, descongestionando a espremida região central. Para este polo seria transferido, inclusive, o Paço Municipal. No bar, a conversa dos frequentadores rolava solta, madrugada a fora. Às vezes Flora, exausta, deixava o pessoal no bar e ia se deitar. No outro dia, a conta era acertada.

Flora cativava com a sua alegria transparente. E recebia bilhetes. “Flora, meu amor, estarei à noite, lá pelas 10 e meia, onze horas, aí para jantar. Peixe e cuscuz e tudo bem. Estarei aí com o Grande Otelo, se você permitir. Obrigado”. O recado era de Herrmann Netto.

Na verdade, quem entrava no Bar da Flora era conquistado pela simplicidade e pelo delicioso cuscuz. No dia 6 de maio de 1984, ela recebeu, pelo Jornal de Piracicaba, um recado. “Alô Flora. Dante (de Oliveira), Arthur e João pedem para agradecer o delicioso cuscuz. Tem jeito de mandar um pelo correio, para matar a saudade de Piracicaba”?

ENCHENTE

Porém, Flora tem outras lembranças amargas. Em 1982 o rio estava bufando de água. Os moradores, preocupados, procuravam saber, junto ao Corpo de Bombeiros e à Prefeitura, sobre a possiblidade de transbordamento. De repente, como se recordar, entram no bar o prefeito Adilson Maluf, que havia tomado posse há pouco tempo, com os secretários Aprilante e Walter Godoy, dizendo que ela teria uma hora para tirar as coisas de lá. Só que, em menos de 60 minutos, o bar já estava inundado pelas águas barrentas do Piracicaba. “A gente via aquela água que ia subindo, subindo”, conta Flora.

Ela tinha mais de 400 caixas de cerveja, talheres, mesinhas. Foi uma correria. Viu peruas sendo carregadas de coisas que nunca mais apareceram. “Até hoje, não sei onde foi parar tudo aquilo”. Com os olhos lacrimejando, relembra: “Vi as pessoas me roubando.”

Flora foi tirada do local de barco, depois de muita insistência do Corpo de Bombeiros. A Avenida Beira rio havia se transformado num verdadeiro rio. Passados alguns dias, foi falar com o prefeito Maluf. Tomou um “chá de cadeira” de quase cinco horas”. Quando ele saiu do gabinete, perguntou sobre a situação na Rua do Porto. A resposta, segundo ela, até hoje soa em sua mente.

– Não tenho condições de ajudar ninguém da Rua do Porto, muito menos você. Não tenho interesse em que vocês voltem para lá. Quem mandou ser João Herrmann?

Segundo Flora, o prefeito teria informado ainda que o prédio, onde estava instalado o bar, havia sido desapropriado. Só que existe outro bar no local hoje. “Fui vítima de política. Fui vítima de abertura de comporta”, desabafa, chorando. Até hoje afirma que não foi indenizada. “Dói, dói tanto. Até hoje não me conformo com o que o Adilson me fez”.

Orgulhando-se de ter sido a única que conversou com o ministro João Sayad em Piracicaba, na época do Plano Cruzado, Flora diz que se tivesse o poder nas mãos hoje, acabaria com as favelas. Sua mãe — revela — tem cinco mil metros de terra ocupados por favelados na Vila Cristina, enquanto ela paga aluguel de um casarão antigo na esquina das ruas São José e São João. Sua mãe, como conta, chegou a procurar o prefeito para ter a situação resolvida, mas ele a mandou procurar o bispo. “Por que o prefeito e o bispo não dão aos pobres o que eles têm”?

Hoje, cheia de recordações tristes, mas também de coisas boas, Flora, que afirma ser uma vítima da política, quer entrar nesse meio. Por isso, será uma das centenas de candidatos que vão brigar pelas 21 vagas da Câmara dos Vereadores. É candidata pelo PHN, o Partido Humanista Nacional.

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