Ripolianas* (9)
Recentemente, um amigo comum indagou-me, a respeito de Romeu Ítalo Rípoli: “como você conseguiu gostar dele?” Não estranhei. Diante de Rípoli, não havia meio termo: ou se gostava dele ou se detestava. E tinha mais: de repente, quem gostava passava a detestar; quem detestava começava a gostar. Com a possibilidade de tudo se inverter.
Minhas relações com ele, já o contei, iniciaram-se com implicâncias e raivas mútuas. E, quando o conheci, eu era pouco mais do que garoto. E ele, homem maduro, polêmico, famoso. Fui, primeiro, amigo do Caetano. Deve, então, ter acontecido o que a sabedoria dos antigos ensina: “Quem beija meu filho adoça a minha boca.” De tanto gostava, eu, do Caetano, o Rípoli acabou gostando de mim. E nem a morte conseguiu separar uma amizade que, ainda hoje, me faz falta.
Aquele meu amigo vivera essa experiência ripoliana: companheiro de Rípoli, gostava dele, passou a detestá-lo. Em alguns momentos – especialmente quando se está à distância – gosta-se de furacões. Quando próximo deles, foge-se. Rípoli era furacão, maremoto, dilúvio, vulcão, terremoto, sarna para coçar, amigo leal e inimigo cruel, passional, sangüíneo, hormonal, nossa festa, o diabo que nos carregava e o raio que nos partia. Absolutamente humano, enfim.
Quando estouram tantos escândalos no futebol braisleiro – envolvendo um empresário piracicabano – há quem me pergunte se era verdade que Rípoli subornava juizes, jogadores. E vou lá, eu, saber? Mas me lembro-me do que aconteceu num domingo. O presidente da Federação Paulista de Futebol – o todo-poderoso e gentleman José Ermírio de Moraes, irmão de Antônio Ermírio – aceitou o convite de Rípoli e veio assistir a um jogo decisivo do XV, que perigava retornar à segunda divisão. Rípoli quase exigiu que um juiz, o Olten Aires de Abreu – que presidia o departamento de árbitros – também viesse, convidado especial. E os dois iriam almoçar na mansão da Cidade Jardim, até hoje penso no nervosismo de Belinha Rípoli, grande dama.
Bobo que sou, eu não aprendera: quando Rípoli me intimava a participar de reunião, viagem, festa, qualquer convite era de se esperar encrenca. Aconteceu. Há pouco tempo, o amigo Antônio Ulisses Micchi – radialista de voz inigualável, à época – lembrou-se do fato que, parecendo folclórico, foi absolutamente real. Ao almoço, lá estávamos “en petit comité”: José Ermírio, Olten, Rípoli, Luiz Cunha e, feito bobo, eu. Radialistas, repórteres entravam e saíam.
Ao final do almoço, Rípoli anunciou: “Agora, um vinho especial para o Olten, um vinho que eu trouxe da Itália.” José Ermírio sorriu, feliz diante de tanto cavalheirismo. Olten, o chefe dos juizes, sentiu-se glorioso. Mas Rípoli impôs uma condição: “O Olten tem que ir buscá-lo. Está na geladeira.”
Não me lembro se o Olten retornou à mesa com o vinho, sem o vinho, se alguém o experimentou. Sei que, no dia seguinte, os jornais explodiam em manchetes indignadas: “Olten denuncia: Rípoli tentou suborná-lo.” Em vez de vinho, Olten dizia que Rípoli lhe oferecera dinheiro: “Ele deixou embrulhado num pacote, dentro da geladeira”. Deu processo, confusão, Rípoli não se abalou. E juro pelos céus que eu nunca soube a verdade.
Sei, apenas, que – depondo sobre o assunto – Rípoli inverteu a situação: “Eu é que denuncio o Olten: é um larápio. Ele roubou o meu dinheiro. Pois a geladeira é minha, o dinheiro é meu. Se é meu, ponho o dinheiro onde eu quiser.” E tudo morreu ali.
*A série denominada Ripolianas é republicada para constar dos arquivos de A Província.com