Tipos inesquecíveis: Cabo Trevisan (6)

CABO ALCIDES TREVISAN

Por muito tempo, ele foi injustiçado. Foi preciso fazer insistente campanha para que vereadores sugerissem que Piracicaba tivesse uma rua com o nome dele, um homem extraordinário: Cabo Alcides Trevisan. Essa rua existe nas proximidades do Piracicamirim e Dois Córregos. (clique aqui para localizar).

De maneira simples, foi a homenagem que Piracicaba prestou à memória do Cabo Trevisan, que deveria, aliás, ser lembrada e reverenciada, até mesmo por uma questão pedagógica que interessa à própria A Polícia Militar. Esta – que está em processo sólido e crescente para a árdua busca de recuperar a antiga imagem junto à população – deveria, penso eu, resgatar a história do Cabo Trevisan como aquele que foi, integralmente, o bom soldado. E mais do que isso: admirável figura humana.

Ora, não se diga que a corrupção nas instituições brasileiras é mal recente. Ela vem de longe, ainda que em dimensão menor, menos generalidade. No início dos 1960, começava a acentuar-se uma corrupção então tímida e incipiente. Tudo, no entanto, era menor: a Cidade, as instituições, as corporações. A política começava a abraçar a corrupção. E, quanto à Polícia, a civil e a militar já tinham mazelas, contando, a crônica da época, as façanhas de delegados corruptos e pusilânimes, de policiais desonestos e truculentos. No entanto, por ser um mundo menor, os escândalos repercutiam mais fortemente. E, também, por serem quase setorizados.

Ainda nos 1950, Piracicaba estarreceu-se com um escândalo sem precedentes, que envolvia meninas menores de idade com autoridades, jornalistas, políticos, personalidades do Judiciário, do Legislativo, delegados, policias, personalidades. Foi como a explosão de uma bomba. Quando se puxou o fio da meada, o número de pessoas envolvidas – conhecidas e com grande influência na cidade – era assustador. Eles eram habitués em bacanais, em ranchos e locais retirados, que fizeram a cidade tremer. Ó tempora, ó mores – que, hoje, tudo se tornou tão banal.

Foi naquele escândalo que conheci o Cabo Alcides Trevisan. Eu tinha por volta de 17, 18 anos, mal acabara de deixar minha funçãozinha de auxiliar de revisão no “Jornal de Piracicaba”, onde comecei feito auxiliar do Samuel Pfromm Neto. João Chiarini me levara para lá nos meus 16 anos. Em seguida, fui para a mesma função no “Diário de Piracicaba” que, pelas mãos de Sebastião Ferraz, se tornara o maior e mais vibrante jornal de Piracicaba. Foi lá que muito aprendi com o maior revisor que conheci em todos os tempos, o Osvaldo de Andrade, outro injustiçado, auto didata que, antes de se tornar advogado muitos anos depois, era filósofo de nomeada, teólogo escolástico. Na redação esta o Isidoro Polacow, estranho e exigente redator-chefe, dividindo o seu tempo entre o Banco do Brasil e O Diário.

Mal saído da adolescência ou ainda nela, tomei conhecimento daquele escândalo e, com alucinada paixão por justiça e aquelas coisas de mundo-novo, escrevi um artigo agressivo que escapou à censura do Polacow e do Ferraz. Roubando o título a Shakespeare, escrevi a crônica, “Tempestade numa noite de Verão”, abordando as orgias e bacanais com meninas menores e adolescentes. No entanto, eu não sabia que toda a imprensa se cumpliciara, negando-se a comentar os graves acontecimentos. Jornais e rádios tentavam criar cortinas de silêncios, abafar o escândalo envolvendo tanta gente tida como respeitável. O mundo caiu sobre mim e, no “Diário”, a pressão se tornou insuportável, quase matando meu início de carreira.

Foi quando conheci o Cabo Alcides Trevisan. Numa valentia admirável, ele chegou à redação dizendo querer falar comigo. Pensou-se fosse alguma represália. Era o contrário: ele foi prestigiar-me, passando a dar-me nomes completos, detalhes, ignorando os meus chefes da redação. Altivo, corajoso, valente, o Cabo Trevisan protestava contra o silêncio da imprensa, colocando-se como defensor implacável da lei.

Alguns anos depois, quando eu já dirigia a “Folha de Piracicaba”, o Cabo Trevisan me telefonou da antiga zona do meretrício, no Jardim Brasil. Era madrugada e ele detivera, no Posto Policial da zona, um comendador milionário que, vindo a negócios na cidade, resolvera divertir-se na zona boêmia. O homem fizera um estrago, espancara mulheres, foi detido pelo Cabo Trevisan que pouco se importou se o comendador tinha relações importantes, se era um grande empresário. E me chamou para, como jornalista, ser sua testemunha do estrago que o homem fizera na zona e das ofensas e tentativas de suborno que o comendador lhe fazia. Mais uma vez, o Cabo Trevisan não se atemorizou. Era o bom soldado, fiel a seus deveres, fiel à população. Ele está entre os meus tipos inesquecíveis, um homem que dignificou a Polícia e que não pode ser esquecido.

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