Um depoimento comovedor de tempos que lá se foram

Teatro São José

Os aficcionados do cinema talvez pouco imaginem do que significava assistir a filmes mudos, aguardar a única sessão diária dos cinemas locais, acompanhar as imagens ao som de música ao vivo, tocada por orquestras de quatro ou cinco elementos. Assim era o cinema, nas primeiras décadas do século XX.

A crônica a seguir, assinada por João Miguel Aidar, foi publicada em setembro de 1977, no Jornal de Piracicaba . E faz um relato detalhado dos cinemas piracicabanos:

“Nesta cidade, lá pelo ano de 1917, havia apenas três cinemas: o Santo Estevão, o Íris e o Politeama, este recém-inaugurado. O cinema Santo Estevão funcionava no prédio do teatro do mesmo nome, hoje demolido. Estava, então, arrendado ao Sr. Kleiss. O Íris situava-se na Rua São José, entre a Praça e a Rua Alferes José Caetano. O Politeama fronteava a Praça no mesmo quarteirão do Íris.

O prédio do teatro Santo Estevão foi construído com certo refinamento, isolado no largo e destinado a receber companhias teatrais, mesmo estrangeiras e exigentes. A sala da assistência compunha-se de platéia, dos camarotes e das torrinhas. O Íris era modesto, freqüentado pela classe de menores posses ou por quem se interessasse pelos seus programas. O Politeama destinava- se à freqüência mais exigente, mas ressentia-se da estreiteza da sala, da falta de camarotes, e como muitos, de ter o piso em horizontal, dificultando a visão dos espectadores, ainda no tempo em que as senhoras iam ali ostentar vistosos chapéus.

O projetor, em todos eles acionado manualmente, ficava atrás da tela, a qual deveria, para melhor transparência, ser regada duas vezes durante a sessão. Sendo único, obrigava a uma parada para rebobinar o filme passado e troca de rolo. Então, acendiam-se as luzes da sala. Entre a platéia e o palco, ou a tela, ficava a orquestra, destinada a enfeitar o assunto com músicas alegres nas comédias ou triste nos dramas. No Santo Estevão, a batuta cabia ao Prof. Lozano, regendo uns dez instrumentos. Ao que me lembro, ali estavam Benedito Dutra Teixeira e Archimedes Mello, violinos, e Erotides de Campos, flauta.

As sessões eram dominicais. O Santo Estevão dava duas sessões: uma às 19 horas destinada à petizada, outra às 21 horas, para os adultos. As crianças eram, à entrada, gratificadas com um saquinho de bombons. Um intervalo para descanso da orquestra e dos assistentes e nova rega na tela, repartia a sessão . Na segunda parte, vinham os dramas ou seriados.

Um estúdio dos Estados Unidos, a Essamay, especializava-se em filmes de correrias e lutas entre brancos e índios. A criançada, empolgada, manifestava a emoção com tal gritaria, que levava a orquestra a parar, só voltando quando se fazia silêncio. Boas gargalhadas soltava a assistência com os pastelões do francês Max Linder. E os dramas provocavam lágrimas das senhoras sentimentais.

Os filmes seriados aguçavam a curiosidade dos espectadores, mas no melhor da cena, lá vinha o letreiro: “Volte na próxima semana”. Como não havia, ainda, som gravado, os letreiros de diálogos ou descrições apareciam num quadro entre uma cena e outra com tempo suficiente para serem lidos.

Costumava-se bater palmas aos personagens por sua façanhas, até que o Jornal de Piracicaba chamou a atenção dos espectadores para a inutilidade de tal manifestação. Batem-se palmas para pessoas presentes, não para sombras de atores que moram muito longe e nem disso tomam conta… Os cinemas distribuíam impressos com os programas, jogados pelas portas ou janelas das residências…

Hoje, com os filmes foto-coloridos, com o som das músicas e diálogos gravados no próprio filme, sem os intervalos para mudanças dos rolos, com sessões diárias e corridas para escolha do horário conveniente, os espectadores, que não viveram a época do cinema branco e preto ou colorido a mão, com letreiros intercalados, com a orquestra acompanhando o desenrolar do filme, mal podem imaginar como era o cinema naqueles tempos. Mas era um divertimento bem agradável, esperado ansiosamente”.

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