Colunistas sociais, a historia de cada dia. E civilidade

No início do Século XX, uma frase começou a correr as rodas intelectuais brasileiras: “O Rio de Janeiro civiliza-se.” Iniciava-se, na então capital brasileira, uma época de grandes transformações urbanas. E o autor da frase, que se tornaria a síntese de uma época, era um jornalista que se assinava apenas “João do Rio”. Era o também escritor João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, nome heráldico que, como apenas “João do Rio”, inaugurava um estilo, uma forma de jornalismo que se tornaria fonte indispensável para historiadores e estudiosos.

Como “João do Rio”, e no Rio de Janeiro, começa a verdadeira crônica social na imprensa brasileira. E, com essa forma de colunismo, o registro de tempos e de épocas, de estilos, de maneiras de ser e de viver. Registro, também, de pessoas, homens e mulheres, que colhiam o respeito e a admiração dos contemporâneos não apenas por sua classe social, mas por realizações e influência.

“Civilizar Piracicaba”

Revistas e jornais, a partir de “João do Rio”, passaram a dedicar mais atenção e espaço ao que, com o tempo e para alguns, foi considerado “elogio do supérfluo”. Não era, ainda que muitos profissionais o tivessem transformado nisso. Era o relato de um processo civilizatório que, nas primeiras décadas do Século XX, chegava a um Brasil republicano dirigido e influenciado pelas elites cafeeiras, herdeiros dos barões e baronesas. O Brasil era um país ainda mais pobre. E suas elites, inspiradas em sofisticações européias, principalmente francesas.

Os relatos da Piracicaba das primeiras décadas do Século XX revelam uma cidade com grande densidade cultural e artística, famílias ricas e elites educadas em colégios particulares – dos quais o Assunção e o Piracicabano – são emblemáticos, com viagens e cursos na Europa. Mantinham-se, de alguma forma, estilos que vinham do Império e, dos quais, os Conceição e os Rezende, continuavam ícones, mas já sob a influência de famílias também aristocráticas, como os Moraes Barros, os Leitão, os Souza Queiroz, os Pacheco e Chaves, além das relações familiares com Costa Pinto, Prado, tantos outros.

Ao mesmo tempo, famílias numerosas de imigrantes trouxeram-nos hábitos, costumes, culinária, criando linguagens, expectativas e alterando estruturas. O poder econômico dos Morganti, Ometto, Dedini, D´Abronzo fez-se sentir nas relações sociais. O mundo se transformava com a II Guerra Mundial. Getúlio Vargas destronara as velhas oligarquias piracicabanas.

Um oligarca, Jorge Pacheco e Chaves, quis que a Praça da Catedral fosse uma réplica do Jardim das Tulherias. E sentenciou: “É preciso civilizar Piracicaba.” A frase de “João do Rio” repetia-se em outro contexto. Mas civilizar continuava sendo aspiração e desejo.

“Café da Manhã”

Se se perguntar, hoje, ao advogado, administrador de empresas, criador do “Curso de Liderança”, ex-professor universitário e alto funcionário da Receita, Mauro Pereira Vianna, o que ele pretendeu, ao assinar uma coluna social em 1959, a resposta baterá na mesma tecla: “Ajudar a civilizar Piracicaba”.

Na década de 1950, Luciano Guidotti promovera a revolução urbana de Piracicaba, rasgando avenidas, embelezando a cidade, estimulando o desenvolvimento. E Mário Dedini, os Morganti e os Ometto tinham criado o “Maior Centro Açucareiro da América Latina”. Nos esportes, o XV de Novembro é referência nacional no basquete, com o trio imbatível, como que deuses olímpicos: Wlamir, Pecente, Paula Motta. Um piracicabano, Newton De Sordi, está entre os primeiros campeões do mundo de futebol, ao lado de Pelé. São seis cinemas na cidade. O Edifício “Luiz de Queiroz” (Comurba) ergue-se com a pretensão de ser o maior e mais belo do interior brasileiro. Piracicaba recebe, em 1957, o título de “Cidade Mais Progressista do Brasil”.

No dia 17 de março de 1959, surge, no “Diário e Piracicaba”, uma coluna assinada apor um desconhecido Marco Aurélio com o título “Café da Manhã”. Sendo funcionário da Receita Federa, Mauro Pereira Vianna – com experiência de jornalismo, teatro e radialismo em Bauru – usara pseudônimo para assinar a coluna. E, naquela manhã, é como se uma bomba estourasse na cidade: os leitores do “Diário de Piracicaba” pensam estar lendo uma reprodução de Ibrahim Sued, o mais famoso colunista social brasileiro da época.

Ainda hoje, Mauro Vianna confirma: “Eu quis imitar o Ibrahim Sued. Imitei. Piracicaba estava em grande efervescência econômica, mas, socialmente, mostrava-se pobre.”

“Acontecer” na coluna

O verbo usado era “acontecer”. Se saíam em colunas sociais, as pessoas “aconteciam”. Era a mesma linha do “Dandismo” do século XIX, na visão de Baudelaire: o conflito entre ser e aparecer. No “dandismo” brasileiro, no pós-guerra e chamados “anos dourados”, as pessoas precisavam “parecer” para mostrar que “eram”. E, para “parecer”, era preciso “aparecer” em colunas sociais. Em Piracicaba, o então chamado “café soçaite” tinha um espaço para “aparecer” e, então, ser valorizado, respeitado: o “Café da Manhã”, de Marco Aurélio, Mauro Pereira Vianna.

Antigos comerciantes, como Didi Cardinalli, Jorgito Kraide, o falecido Salim Phelippe Maluf, testemunharam o impulso que a coluna de Mauro Vianna deu ao comércio de Piracicaba. “Abriram-se as portas das casas para recepções e festas.” – lembra Mauro Vianna, vendo seus propósitos alcançados. E as pessoas requintavam-se, interessando-se por novidades na moda, na culinária, em estilos mais refinados de viver. Eram as “mais elegantes” que começavam a surgir. E os cavalheiros e os anfitriões. E as garotas-encanto.

As mansões iluminaram-se. Mário Dedini, o grande capitão da indústria piracicabana, apoiou a iniciativa de Mauro Vianna. Grandes recepções, grandes festas, presença de autoridades, de políticos, artistas, embaixadores, quase que uma competição entre famílias anfitriãs: os Dedini, os Morganti, os Ometto, os Romano, os Guidotti, os Ferraz de Arruda, os Castro Neves, os Trevizan, os Rípoli, os Coury,(Na foto, Raul Coury) os Cury, os Maluf, agricolões, médicos, advogados, profissionais liberais – Piracicaba foi uma festa.

Mauro Vianna cita, ainda hoje, personalidades que, registradas em sua coluna como verdadeiros ícones de Piracicaba, continuam inesquecíveis: “Mário Dedini e Luciano Guidotti, na indústria e na política; Alzira Maluf, na benemerência; Diva Fagundes, elegância e refinamento; Italia Caprânico e Linda Maluf, como modistas; na arte e na cultura, Ernst Mahle, Archimedes Dutra, Joaquim do Marco; Sebastião Ferraz e Losso Neto, no jornalismo; Aristides Figueiredo, no radialismo.”

Com o “Baile da Consagração” – quando foram eleitas as damas da cidade, mais elegantes, anfitriãs, os cavalheiros, as garotas-encanto – Mauro pereira Vianna elevava a nível nunca antes alcançado a sociedade piracicabana. O acontecimento se transformou em destaque nacional, divulgado pelos principais jornais do Brasil, pela então imbatível revista “O Cruzeiro”, pela Rede Tupi de Televisão.

O objetivo de Mauro Vianna fora alcançado como colunista social: “Piracicaba se tornou reconhecida pelo dinamismo de sua sociedade. A elite e a classe média se aproximaram. A auto-estima dos piracicabanos reforçou-se. Deu-se o devido valor às pessoas que se destacavam em suas autoridades. A juventude se sentiu mais respeitada.”

Como colaboradora de Mauro Vianna especialmente junto à juventude, estava a jovenzinha Maria Elisa Guerra, hoje também Tumang, a Meg. “Café da Manhã” durou apenas dois anos. Pressionado pelo fato de ser funcionário do Estado, Mauro Vianna deixou o colunismo social, vindo, porém, a manter, por muitos outros anos, coluna semelhante assinado com o próprio nome.

Em dois anos, Piracicaba conheceu mudanças de elegâncias e refinamentos que se tornaram verdadeira revolução nos costumes.

Mário Terra

Em 1959, quando o “Café da Manhã” impactava a cidade, Mário Monteiro Terra era jovem estudante da Faculdade de Odontologia de Piracicaba e nem sequer imaginava que, pouco mais de uma década depois, iria desempenhar papel semelhante ao de Mauro Vianna no jornalismo piracicabano. Em 1972, Mário Terra era diretor social do Clube Coronel Barbosa e Secretário de Turismo Municipal.

Na direção de “O Diário”, fiz-lhe o convite que, hesitante, ele aceitou: “ser colunista social”. Para assessorá-lo, ainda que Mário Terra tivesse militado em jornalismo universitário, estava o jovem Evaldo Vicente e o lendário Benedito de Andrade. Piracicaba estava nostálgica de um colunismo que, pelo menos, provocasse reações semelhantes às do “Café da Manhã”. Mário Terra assumiu o compromisso de “estimular pessoas e entidades em suas realizações”, como ele diz ainda hoje. Assim, surgiu a coluna “Gente´s”. Que movimentou e mobilizou a sociedade piracicabana de 1972 a 1978.

“Quem é quem”

Entre as grandes promoções de Mário Terra junto à sociedade piracicabana, está a criação do Troféu “Quem é quem”. Os critérios de seleção das pessoas que mais se destacavam nas mais diferentes atividades sociais foi revolucionário para a época: elas eram votadas por um colégio de 1.000 pessoas. A apuração era feita por empresas especializadas, em local público, ou pela Unimep. Sem quaisquer despesas, os eleitos eram homenageados em um grande baile, com a presença de autoridades e convidados especiais, em bailes que se tornaram famosos na agenda social do Estado de São Paulo.

“Houve baile, homenageando os eleitos, em que estiverem presentes representantes de 37 cidades do Estado de São Paulo.” – enfatiza Mário Terra, que encerrou a coluna em 1978, após realizar cinco versões do “Quem é Quem”, dedicando-se à sua carreira universitária na Unicamp.

Também Mário Terra orgulha-se de um objetivo alcançado por sua coluna social: “Projetar Piracicaba em nível estadual, tornando mais conhecidas as nossas potencialidades sociais.” E, de seu tempo de colunismo, Mário Terra destaca personalidades que também permanecem vivas na história piracicabana: “Na política, João Pacheco e Chaves e Jairo Mattos; empresário, Dovílio Ometto; benemerência, Marlene Elias Chiarinelli; moda e estilo, Yvone Maluf Goldschimidt; artes e cultura, Ermelindo Nardin, Ernst Mahle, José Maria Ferreira”

Colunismo, hoje

Em Piracicaba, o colunismo social resiste, ainda hoje, pelo trabalho de Meg, Maria Elisa Guerra Tumang, em página semanal, mas em atividade há 26 anos. É a mais duradoura página social do jornalismo piracicabano e, certamente, uma das mais antigas do interior de São Paulo. Por muito tempo, Meg – tanto no “O Diário” quanto no “Jornal de Piracicaba” – manteve uma coluna diária, que mudanças econômicas e editoriais determinaram se tornasse semanal.

A contribuição de Meg tem sido inestimável e suas colunas são um registro fidedigno do que têm sido a Piracicaba que ela viu a partir da crítica pela óptica social. Além de Meg, há o colunismo de Clarinha Tacla, atualmente na “Gazeta de Piracicaba”, bissemanário. Outros colunistas, incluindo Mara Ferraz e Sérgio Françoso, passaram pela imprensa piracicabana nos últimos anos, deixando, por motivos diversos, essa atividade. (Ilustração: Araken Martins)

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