Herança de Rocha Netto, “In Memoriam”

O GAROTO QUE GUARDAVA TUDO (3)

Em 1919, pouco tempo antes de se mudar para Piracicaba e iniciar os estudos, uma atividade começava a tomar parte na rotina do garoto Rocha Netto. Era o interesse em guardar, arquivar e colecionar figurinhas de jogadores de futebol, hábito que para ele era essencial e o diferenciava entre os colegas.

O menino arquivava tudo o que achava interessante sobre esportes, em particular o futebol. Recortava dos jornais e revistas da época, todas as fotos publicadas de seus clubes preferidos e também as de seus ídolos. Aos poucos, foi formando um pequeno acervo que continuou a ser construído, mesmo após a mudança para outra cidade. A maioria dos seus recortes, feitos cuidadosamente, eram retirados das edições da revista “Vida Sportiva”, do Rio de Janeiro e de outros periódicos publicados na época.

Rocha Netto cuidava tão bem de seus recortes e anotações, que colava as gravuras em cadernos adequados, conservados até hoje em seu arquivo, e organizava-os conforme o número de informações reunidas. Naquele ano, começou a escrever um diário, no qual registrava o que acontecia em sua vida, e anotava também alguns dos principais fatos ocorridos na cidade, como inaugurações, eventos sociais e esportivos.

Ao transferir-se para Piracicaba, o trabalho só aumentou, pois com um clube – o EC XV de Novembro de Piracicaba – recém criado, ele não perdia uma chance de estar ou se encontrar com os jogadores da época, locais ou de outros clubes, que aqui vinham disputar diversos torneios. Aos 6 anos apenas, Rocha cuidava com esmero de sua coleção de fotos e informações sobre o principal clube da cidade, atualizando-a regularmente.

“Nessa época, era comum colecionar alguma coisa. Nas carteiras de cigarros vinham figurinhas de artistas de cinema, e nos papéis de bala, jogadores de futebol. Havia um álbum com jogadores de futebol que depois de completo, poderia ser trocado por uma bola de borracha, mas eu enxergava mais longe e achava melhor guardar. Assim, com 6 anos de idade, já tinha minha primeira coleção”, contava o jornalista.

Após iniciar a vida escolar, a atividade ganhou mais força ainda, pois com novos amigos, o menino defendia assiduamente os times de futebol da escola, pelos quais disputou vários torneios inter escolares, promovidos pela direção das instituições de ensino, naqueles anos.

Além da presença constante de atletas na cidade, as novas amizades criadas por ele, influenciaram-no a aumentar sua coleção. Entre as suas atividades favoritas naqueles anos, uma delas era reunir os amigos ou os irmãos e acompanhar a chegada e partida de atletas e ídolos do futebol, que vinham a Piracicaba para a disputa de campeonatos. Jogadores do clube local, XV de Novembro de Piracicaba, quando não viajavam para regiões próximas, recebiam seus adversários nos campos daqui. As viagens eram de trem e os atletas geralmente permaneciam durante todo o fim de semana na cidade.

Atento na produção de seu arquivo e dos seus diários, com notícias locais e esportivas, Rocha Netto participava das reuniões promovidas entre os jogadores, e não tinha receio em despedir-se deles na Estação Ferroviária da Paulista.

Na estação, repleta de fãs querendo dar adeus aos ídolos, Rocha Netto, então criança, quase passava despercebido entre o povo. Quando não conseguia entregar na mão dos jogadores, um cartãozinho com seu nome e endereço, pedindo fotos e resultados de partidas, jogava-os dentro de seus bolsos. Os amigos dificilmente acreditavam que o insistente e jovem colecionador receberia alguma resposta. Mas, passado somente alguns dias, Rocha recebia em sua casa todas as informações solicitadas, com autógrafos, fotos, resultados e muitas notícias esportivas ocorridas na capital. A idéia deu bons resultados e muitas informações que hoje formam seu acervo, vieram dessa maneira, enriquecendo-o, com dados e fotos dos clubes daqueles anos.

“Quando o trem chegava, a cidade fazia uma festa por uma semana. Eu aproveitava e distribuía para os jogadores, meu cartãozinho com nome e endereço pedindo para mandarem cartas com fotos, uns atendiam, outros não. Também levava minha máquina e tirava fotos eu mesmo, e fazia grandes amigos”.

Numa dessas despedidas, o garoto encontrou-se com aquele que viria a ser o seu maior ídolo no futebol: o famoso Arthur Friedenreich, que havia se sagrado campeão sul americano de futebol, no ano de 1919. O encontro foi emocionante, como outros descritos acima, mas ainda não seria o último entre o craque e seu jovem admirador.

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