Herança de Rocha Netto, “In Memoriam”

ROCHA NETTO E O TIME DOS ARREPIADOS (4)

No final da década de 20, o então adolescente Rocha Netto, com seus 12, 13 anos só tinha olhos para os estudos, para o esporte e para a sua coleção. Nos momentos de lazer, o passatempo predileto era reunir-se com os amigos e jogar futebol nas ruas ou nos campinhos da cidade, o que parece ser um fato cada vez mais raro na infância dos garotos atualmente, que preferem substituir encontros com amigos por horas a fio em frente à tevê ou à Internet.

Mas a diversão ao lado dos amigos, Rocha Netto só poderia desfrutar após ter cumprido com todas as suas obrigações escolares e também, após colaborar com a mãe nas atividades da casa. Porém, sempre que tinha chance, o futuro cronista não dispensava um jogo sequer com aos amigos. Na escola, participava ativamente das competições promovidas, fossem de futebol ou de basquete, esporte recém implantado na cidade, mas que rapidamente se disseminou e envolveu toda a comunidade.

Em 1925, foi promovido um torneio inter-escolar que logicamente, contou com a presença de Rocha:

” Naquele ano, existia em Piracicaba a Liga Infantil de Bola ao Cesto, dirigida pelo saudoso professor Anísio Ferraz Godinho. Essa Liga funcionava na Escola Normal (hoje Sud Mennucci) e tomavam parte nos jogos, os alunos do 4 o ano do então “Grupo Escolar Modelo de Piracicaba”. Lembro-me ainda hoje, dos nomes dos clubes que disputavam aquele campeonato interno: Arrepiados (do qual eu fazia parte), Bandeirantes, Democratas, XV de Novembro e Tic Tac, este capitaneado por Toninho Rodrigues, que mais tarde, foi vice governador do Estado na gestão de Laudo Natel.

Quando contamos, em rodas de amigos, que na década de 20, existia goleiro no bola ao cesto, muitos se surpreendem e outros acham graça. Naquele tempo, não existiam tabelas e os arremessos eram feitos sobre cestos (de cordinha) que eram erguidos ou sustentados por pés de madeiras ou de ferro. Até cestos de colher pêssegos serviam para o jogo.

As bolas eram arremessadas da marca do lance livre e os goleiros faziam tudo para evitar o ponto. Por essa razão, os resultados das partidas tinham placar registrando 3 x 2, 4 x 3, 10 x 2 e assim por diante. O Archimedes Dutra, o Osvaldo Godoi e outras personalidades apitavam os jogos desses campeonatos, idealizados pelo dinâmico Anísio Ferraz Godinho “.

Nos diários escritos pelo jornalista, que registram fatos esportivos da cidade a partir de 1913, há uma nota que descreve como eram realizados os torneios de basquetebol:

” 2/8/1925 – Bola ao Cesto – Liga Infantil – Na área de recreio da Escola Normal, haverá hoje, às 9h00, os seguintes jogos do campeonato: TIC TAC x Bandeirante; Arrepiados x Paulistano e XV de Novembro x Democratas. Atuará em todos os jogos, o Sr. Archimedes Dutra “.

Nos jogos promovidos naqueles anos, Rocha Netto ia aos campos, anotava os resultados, nomes dos jogadores e escrevia rápidas biografias dos atletas. Em seguida, com os amigos, copiava as notícias em folhas almaço e as distribuía entre os colegas. Nessa “redação de jornal”, os repórteres assinavam as matérias e os perfis futebolísticos dos jogadores, com os nomes de seus atletas preferidos, como Friedenreich. A brincadeira teve início em 1920, um ano depois de Rocha Netto ter-se mudado para Piracicaba. Em seu arquivo, há cadernos daquele ano, com registros biográficos dos jogadores do EC XV de Novembro

A atividade tornou-se tão rotineira, que mesmo nos campeonatos organizados por eles, a tabela dos jogos e a programação das próximas rodadas eram divulgados de maneira tão empolgante, que os vizinhos, interessados pelas notas, acabavam por se dirigir aos locais e assistiam às grandes finais promovidas pelos meninos.

HISTÓRIA

O basquetebol, popularmente conhecido nas rodas esportivas paulistas da década de 20 como bola ao cesto, foi implantado em Piracicaba por volta dos anos 1906 e 1908, segundo documentos que registram a sua prática remota entre os estudantes da ESALQ.

As primeiras partidas do esporte vistas pelos piracicabanos eram rudimentares e disputadas no quintal do então estudante Oto Behmer, e seus amigos, também estudantes.

Na época, era visto como um jogo de diversão, sem regras específicas e diferente do praticado hoje. Em 1913, os alunos da Escola Normal (hoje Sud Mennucci) fundaram o Grêmio Sportivo Normalista, que incluía o bola ao cesto entre outras modalidades praticadas pelo alunos, como futebol e natação. Em agosto de 1914, o XV de Novembro criou uma seção de basquete feminino, na sua sede social situada na antiga Rua do Comércio, para senhoras e senhoritas que mais apreciavam os jogos.

Em São Paulo, a regulamentação do esporte enfrentaria dificuldades e oposição de alguns incrédulos que o viam somente como um jogo a ser praticado por moças. Em 24 de maio de 1924, fundou-se a Associação Paulista de Bola ao Cesto, que contou com o apoio de vários clubes da capital.

De volta a Piracicaba, em 1925, o professor Anísio Ferraz Godinho, que lecionava na Escola Normal criou a Liga Infantil de Bola ao Cesto, e reuniu seis equipes formadas pelos estudantes do 4 a ano: Tic-Tac, Bandeirantes, Arrepiados, Paulistano, XV de Novembro e Democrata.

Naquela época, as regras ainda não eram regulamentadas e não havia nem mesmo o número exato de jogadores para as equipes participantes. O jogo contava também com um goleiro (posição hoje inexistente) que tentava atrapalhar os lances e jogadas da equipe adversária.

As tabelas e os arremessos eram feitos sobre cestos de corda, erguidos ou sustentados por pés de madeira ou ferro. As bolas eram arremessadas na marca do lance livre e os goleiros tentavam evitar o ponto. Dessa maneira, o placar dos jogos registravam resultados como no futebol (4 x 3, 10 x 6 e 2 x 1, por exemplo).

Em 1 o de janeiro de 1933, conhecidos esportistas se reuniram para a criação de uma associação que regulamentasse e dirigisse as competições. Quatro dias depois, nascia na sede da Associação Atlética Acadêmica Luiz de Queiroz (AAALQ), a Liga Piracicabana de Bola ao Cesto, responsável em elaborar um Estatuto Oficial para o esporte e que contava com a seguinte diretoria provisória: o jornalista e escritor Leandro Guerrini como presidente; Mr. Clyde Lloyd Cooper como vice; André Toselo e Felipe Signorelli Neto respectivamente, como os 1 o e 2 o secretários e Carlos Augusto Filho e Virgílio Lopes Fagundes Filho, respectivamente, como 1 o e 2 o tesoureiros.

Em fevereiro do mesmo ano, o XV de Novembro já convocava jogadores para os treinos, através de publicações nos jornais da cidade, e elegeu e empossou em Assembléia a sua diretoria definitiva, com Mr. Clyde L. Cooper na presidência, Edgard Fernandes como vice e Leandro Guerrini como presidente honorário. O reverendo Clyde esteve à frente da associação até julho daquele ano, quando deixou a presidência sendo substituído por Laerte Ramos de Moura, da AAALQ.

Em 15 de março de 1933, à noite e em quadra iluminada, aconteceu o Torneio Início da Liga, que contou com o Clube de Regatas de Piracicaba, XV de Novembro, Luiz de Queiroz, Meu Rink, Parque Clube, Clube Náutico e Ginásio Piracicabano. O vencedor foi o Regatas de Piracicaba, que pouco tempo depois também sagrou-se campeão da Liga daquele ano.

* (Angela Rodrigues é jornalista e responsável por arquivos do Museu de Piracicaba do C.C. Martha Watts. A série de artigos, de sua autoria, foi publicada em A Provincia online, agora republicados para constar dos arquivos de A Província.com.)

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