Médicos e saúde na Piracicaba do século 19

Manoel de Arruda Camargo – o redator do celebrado “Almanak de 1900” – insistia em manter viva a memória daqueles tempos em que não havia água encanada e nem se pensava em esgotos. Havia sujeiras, sim, em Piracicaba. Ele registrara em seu almanaque, talvez para ninguém esquecer: “a água era distribuída em pipas, colocadas sobre carro; as apropriadas, puxadas a burro, em cujo pescoço tilintava um cincerro (campainha grande). Custava dois vinténs ao barril ou um mil réis por mês por barril.”

Mas Manoel Camargo recordava para valorizar o que acontecera em Piracicaba: o Rio de Janeiro, com Paulo de Frontin, começara o abastecimento d’água em 1889; Piracicaba tivera a sua “Empresa Hydraulica” fundada em 1887. E, nos últimos meses do século XIX, eram os esgotos que, da rua do Porto ao centro da Cidade, iam-se expandindo. E isso representava uma preocupação preferencial da elite piracicabana pelo binômio educação-saúde. O dr.Paulo Moraes Barros – quando a peste bubônica assolara o Brasil, especialmente o Rio de Janeiro – conseguira prevenir e evitar a epidemia em Piracicaba. E havia, como ele, médicos de vocação sacerdotal: os doutores Paulo Pinto, Torquato da Silva Leitão, Joviniano Reginaldo Alvim (dr.Alvim), João Batista Silveira Melo, o baiano Tibério Lopes de Almeida, Alfredo José Cardoso, Coriolano do Amaral, Orscalino Dias… E Barata Ribeiro, que haveria de se tornar – no Rio de Janeiro – nome de rua que, no Século XX, seria um dos metros quadrados mais caros de toda a América Latina.

Quem precisasse do médico, bastava telefonar, telefones decorados pela população: 39, dr. Paulo de Moraes Barros; 30, dr. Torquato Leitão. E o da Santa Casa era 8, e 41 o da Pharmácia Neves. Pois Santa Casa, farmácias e médicos estavam intimamente ligados na prestação de serviços a uma população que se via oscilando entre “benzimentos”, apelos à medicina popular e os homens sábios da farmácia e da medicina.

A narrativa é do dr.Oswaldo Cambiaghi, médico e historiador de Piracicaba e do desenvolvimento da Medicina no município e região: “No tempo do Império, escasseavam os médicos ou os físicos, como eram chamados. O físico-mor possuía autoridade para conceder “carta” ou “diploma de habilitação” a indivíduos leigos, credenciando-os para o exercício profissional, desde que se submetessem a um prévio simulacro de exame. Surgiram, assim, os barbeiros ou cirurgiões-barbeiros. De sumaríssimos conhecimentos e, muitas vezes, de ínfimas condições sociais, tais como negros escravos e mulatos libertos. Seu instrumento constituía-se de “uma navalha, uma pedra de navalha, cinco lancetas em que entrava uma agulha, um boticão; uma alçapema, uma caixa de botica, uma tesoura de barbear, dois carretéis e meio de azougue.” Médicos idiotas, assim os chamava o povo. Pensavam feridas, sarjavam, aplicavam ventosas, sanguessugas, extraíam dentes, cortavam, costuravam, sangravam e operavam pequenas cirurgias.

Em 1836, não havia, em Vila Nova da Constituição (Piracicaba) nenhum físico ou cirurgião. Em 1826, residiu em Piracicaba, o cirurgião José Mourão Fraga, provavelmente cirurgião-barbeiro. E, em 1831, exercendo a função de cirurgião-mor, José Fernandes Vianna. Os últimos cirurgiões de Piracicaba foram Benjamin de tal (1835) e Manoel Peixoto Lopes (1836) . Pode ser considerado o primeiro médico realmente diplomado o dr. José Baptista de Luné, de nacionalidade portuguesa, naturalizado brasileiro, e nomeado por sua Majestade, o Imperador, Comissário vacinador da Vila Nova da Constituição. A partir de então apareceram vários médicos de nacionalidade alemã, tais como Hermann Melchert, Rodolpho Kupfer, Germano Frederico Melchert e Theodoro Reichert. Na segunda metade do século XIX, os médicos brasileiros começaram a se projetar. Constituíram-se nos sempre lembrados médicos-de-família, dedicados, procurados para todos os casos, amigos de todas as horas. Visitavam doentes, ora a pé, ora em lombos de cavalos ou burros, com sol ou com chuva, por estradas rurais desertas, uma vida heróica de verdadeiros samaritanos.

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