O aplauso de Mário de Andrade ao Orfeão de Lozano

Em 1975, o intelectual J. M. Ferreira promoveu , no SESC Piracicaba, uma exposição denominada “O Mundo de Fabiano Lozano”, comemorativa ao centenário do maestro, ocorrido em 1965. Na busca de reconstruir sua importância musical, José Maria colheu vários depoimentos preciosos, de pessoas que com ele conviveram e que integraram o movimento cultural de Piracicaba ao início do século XX.

O texto reproduzido abaixo foi publicado no Jornal de Piracicaba de 24 de maio de 1986 e sintetiza depoimento a ele oferecido por Yule Barbosa Ferraz:

…”O Orpheão Piracicabano, regido pelo maestro Fabiano Lozano, terminou de cantar. E antes que ‘seleta assistência’ prorrompesse em aplausos, aquele homem alto e magro, de olhos fundos e nariz adunco, sentado na frisa mais próxima ao palco, gritou entusiasmado: ‘Me digam: quem canta melhor do que esta gente?’

Houve um momento de espanto. A ‘seleta assistência’ do Teatro Santo Estevão não estava acostumada a tais repentes, mesmo vindos de um iconoclasta como Mário de Andrade. Corria o ano de 1928. Seis anos antes, Mário de Andrade e outros jovens intelectuais tinham promovido uma ruidosa Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. A iniciativa tinha sido recebida com vaias furiosas.

Na platéia do Teatro Santo Estevão, Yule Barbosa Ferraz, aluna de Fabiano Lozano na Escola Normal Oficial, não sabia se vaiava também, como parecia ser moda, na capital, o pronome ostensivamente mal colocado, ou se aplaudia educadamente o conferencista da noite. Acabou optando pela segunda alternativa. Passado o segundo de espanto, as palmas soaram generosas, como sempre acontecia quando se tratava do Orpheão do Maestro Lozano, puxadas aliás, pelo próprio papa do Modernismo.

Em seu apartamento na rua Moraes Barros, dona Yule relembra(va) este episódio para ilustrar as chamadas ‘sessões lítero-musicais’ que eram muito apreciadas nos primeiros anos da Cultura Artística.

 

Vinham célebres conferencistas, como Mário de Andrade, que eram geralmente precedidos ou acompanhados por números musicais. Além de Mário, dona Yule se lembra das passagens de Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet e até do diretor da Divisão Musical da Biblioteca Pública de Nova York, Carleton Spraghe Smith.

A famosa declamadora Margarida Lopes de Almeida foi uma das que vieram várias vezes. E em seus recitais de poesia, apreciadíssimos, incluía sempre os poetas modernistas, na época ainda desconhecidos do público e vistos com reserva pela própria crítica literária. Com o tempo, os recitais de poesia e as conferências foram rareando. Uma das últimas foi do Dr. Sebastião Nogueira de Lima, em 1936, no centenário de Carlos Gomes. Foi a primeira transmissão fora de estúdio da atual PRD-6, Rádio Difusora de Piracicaba.

Quando se fala de Cultura Artística e do magnífico trabalho que realizou e ainda realiza pela cultura nacional, dona Yule acentua que raramente se mencionam seus antecedentes. Pessoas e fatos que, embora não tivessem seus nomes diretamente ligados à fundação da sociedade, tiveram uma contribuição decisiva, pelo fato de terem plantado sementes que, a seu tempo, germinaram e produziram frutos que, mais tarde, outros vieram colher.

Ela cita principalmente os barões de Rezende, que ofertaram à cidade o Teatro Santo Estevão; lembra Honorato Faustino, primeiro diretor da Escola Normal, sob cuja orientação viveu anos de verdadeiro esplendor educando jovens que depois vieram a desempenhar relevantes papéis no cenário político e educacional do país.

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