Os “Anos Dourados” em Piracicaba (9): caipiras de black tie e sonho de Cinderela

Caipiras de “black-tie”

casal Nelly-Joaquim Sérvolo, com a nora Rery Previtalli Sérvolo

Mauro Vianna assumira o estilo de Ibrahim Sued como referencial. O modelo, pois, vinha da Corte de então, o Rio de Janeiro. Digamos que se tratava de um tempo ainda lúdico. Cantores e compositores – na picardia de críticas reverenciais – falavam dos Guinles, dos Souzas Campos, “das Terezas e Dolores”, do Quitandinha e do Copacabana Palace, das mulheres com seus vestidos longos, de homens de “black tie”, os “smockings”, os “summers”.

Mauro Vianna ousou e conseguiu: no “Baile da Consagração”, todos os que comparecessem ao Teatro São José teriam que obedecer a um rigor: mulheres com vestidos longos; homens de “black tie”. Mas Piracicaba não tinha – apesar da grande evolução da Porta Larga, da audácia da Elmo Magazine – casas comerciais que pudessem atender àquela demanda. Não haveria exceção. Tratava-se, afinal de contas, de uma consagração e Mauro Vianna havia conseguido com que todos os holofotes se voltassem para a Cidade. Caipiras, sim; mas de “black tie”. (Foto: casal Nelly-Joaquim Sérvolo, com a nora Rery Previtalli Sérvolo.)

A Clipler — então um dos mais famosos magazines do Brasil — veio a Piracicaba, por intermediação de Mauro Vianna. E veio com o seu estoque de “smockings”. Aquele “Baile da Consagração” ou seria o Olimpo ou não seria nada. Ou os eleitos eram “deuses” ou seriam simples caipiras trogloditas, coçando bicho-de-pé. Mauro Vianna conseguiu: não houve ninguém que passou pela “Guarda de Honra”, que adentrou o Teatro São José sem que, sendo mulher, estivesse trajando longo-a-rigor, e, sendo homem, não vestisse “smocking”. Luciano Guidotti e Humberto DAbronzo, tentando ser fiéis às sua origens humildes, ainda que deslumbrados com sua ascensão social — tentaram reagir. Mas Mauro Vianna, o dono da festa, foi radical:

– Sem “smocking”, mesmo que os senhores estejam entre os homenageados, não vão poder entrar. Eu estarei à porta de entrada e terei que fiscalizar.

Poucas horas antes do “Baile da Consagração”, um Humberto DAbronzo neurastênico e mau-humorado estava na Clippler – assessorado por Mauro Vianna – experimentando e ajustando o “smocking” para poder participar do “Baile da Consagração”. O tempo, que passou, está acusando-nos de termos esbanjado o momento mágico que nos foi revelado. Pois tivemos, naquele momento, a possibilidade de um encontro decisivo entre o passado e o futuro, uma síntese do antigo e do novo. Perdemo-la. Pois, logo depois do “Baile da Consagração”, todos se despiram de seus “smockings” e de seus vestidos a rigor, retornando ao útero das ostras. O fastígio foi, também, o início do ocaso.

Os consagrados

Naquela noite de gala que nunca mais se repetiu, os “deuses” daquele Olimpo piracicabano receberam a sua consagração social, a confirmação de que surgira, então, uma nova aristocracia, que viria a ruir neste final de século. Tinham sido eleitos:

Grande dama: Otília Dedini

O grande cavalheiro: Luciano Guidotti

 

 

 

 

 

 

 

 

Os três Gentlemen:

Joaquim do Marco

 

Mário Dedini

Rubens S. Carvalho

O casal mais simpático:

Phelippe e Dolméia Cabral de Vasconcellos

As grandes anfitriãs:

Belinha Rípoli

Otília Dedini

Eloá Clement

Ahyr M. Valler

Julieta D Abronzo

Esther F. de Toledo

Diva Guidotti

As dez mais elegantes:

Belica Carvalho

Eloá Clement

Zelinda Falanghe

Diva Fagundes

Beatriz Borges

Maria C. Figueiredo

Helena Machado

Otília

Nina Dedini

Myrian Furlan

Garotas encanto:

Walkyria Fabris

Cleide Falanghe

Rosely Canto

Na consagração da nova aristocracia piracicabana, fundiam-se representantes do passado, uma sociedade emergente, famílias tradicionais, novas lideranças econômico-financeiras e políticas, representantes de classes liberais, e da intelectualidade. Fortuna e requinte encontraram-se, numa festa que, para muitos, foi o verdadeiro sonho de Cinderela.

 “Reflexos do baile”

Trata-se do título de um grande romance de Antonio Callado, um de mais cultuados escritores brasileiros. Derrotado pelo câncer e no final da vida em seus 80 anos, Callado insiste em afirmar que o mais importante de sua obra são os reflexos do baile. Piracicaba não teve sabedoria – e Mauro Vianna também não – para julgar e apreciar os reflexos daquele baile, o “Baile da Consagração”. Foi uma iluminação. Num tempo de grandes transformações, Piracicaba mostrava audácias de pioneirismo, conforme a sua história, o seu passado. Éramos, pela aventura de Luciano Guidotti, a “cidade mais desenvolvida do País”, reconhecimento oficial. Com Mário Dedini, os Ometto, os Morganti, tínhamos promovido a revolução sucro-alcooleira. E o “Café da Manhã”, de Mauro Vianna-Marco Aurélio, despertava-nos para esse esplendor. (Foto: casal Francisco (Ladice) Salgot Castillon: ele, prefeito eleito em 1959.)

Os “reflexos do baile” chamavam a atenção do País. Piracicaba era uma novidade, um referencial da possibilidade de construir, de fazer. Precários, os meios de comunicação eram como que canais privilegiados. E Piracicaba – com a coluna de Mauro Vianna – era alvo daqueles holofotes quase exclusivistas. Os “reflexos do baile” – do “Baile da Consagração” – repercutiram no que havia de mais expressivo no Brasil: a Tevê Tupi, a “Última Hora”, os “Diários Associados”, a revista “O Cruzeiro”, as então denominadas “Folhas”, a poderosa MacCan-Erickson.

Colunistas sociais – seguindo a trilha de Ibrahim Sued – eram o que, hoje, chamamos de “formadores-de-opinião”. Em São Paulo, os detentores desse poder eram Alik Kostakis, Marcelino de Carvalho, Tavares de Miranda, Matos Pacheco, todos eles voltados para o chamado “high-society” paulistano. E, naquelas colunas exclusivistas e herméticas e fechadas, havia um fato novo, que os deixava perplexos: o “frisson” e a modernidade de Piracicaba, registrada e impulsionada pela coluna de Mauro Vianna, o “Café da Manhã”. Sobre nós, voltavam-se todos os holofotes do que, hoje, chamamos de mídia. Eram os “reflexos do baile”. Mas eles se apagaram, logo depois.

 

 

 

 

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