Projeto Beira Rio: revolução nos odores do rio (IV)

Uma revolução nos odores e fedores do rio

Haverá problema mais familiar aos piracicabanos do que o cheiro, os vários cheiros que emanam do Rio Piracicaba? Deste problema também não se omitiu o Projeto Beira-Rio que, antes de apontar as estratégias de ação para implementação do programa, dedicou todo um capítulo ao que chamou de paisagem olfativa, que precisará, para qualquer proposta turística, ser enfrentada e alterada.

Até porque, além do ritmo anual dos cheiros do rio – indicados como o fato de que “o rio cheira muito mal na estiagem, menos no clímax da chuva e das enchentes” – Piracicaba ainda convive com o cheiro das safras da cana de açúcar: “ascendente nos plantios, decrescente no crescimento e maturação das plantações, salvo na aspersão de pesticidas e dos adubos via aérea”.

No caso do rio, eles apontam para situações de conflito, que, no entender do antropólogo Arlindo Stefani, merecem, portanto, solução negociada, envolvendo suas características físicas, jurídicas e culturais.

A análise privilegia três tipos de odores que envolvem o rio. Os cheiros fétidos, “insuportáveis para o pedestre e para o turista a pé ou nos restaurantes vizinhos”, se localizam nas desembocaduras dos esgotos, especialmente na margem esquerda. Já na margem direita, ele lembra que o “salto restitui o cheiro de todo o rio montante, incomodando muito e desertificando o magnífico parque que todo turista quer ver”. Os pontos mais fétidos foram localizados à parte mais central do rio, em torno do Salto, do Hotel Beira-Rio, do Clube de Campo, do Museu da Água, da Casa do Povoador e da Agência Torres de Turismo, do largo dos Pescadores, além da desembocadura do ribeirão do Enxofre. A área mais crítica foi indicada como o da desembocadura do Itapeva, na cabeceira sul da ponte do Mirante, na área imediata do Clube de Campos e da captação do SEMAE.

Mas há, também, os cheiros desagradáveis, que “infectam a totalidade das beiras sociais, provocando náuseas” em locais como o Parque do Mirante, Parque do Engenho, entorno da Lagoa das Almas, estação de tratamento do

SEMAE, Largo dos Pescadores. Uma nota especial lembra que quase todos os engenhos situados às beiras da bacia do Piracicaba também cheiram mal, o que pode ter sido tolerado como um custo do progresso.

Os poucos locais de cheiros agradáveis intactos localizados pela pesquisa encontram-se nas áreas altas a noroeste do parque do Engenho Central, no parque da ESALQ, no parque do Lar do Velhinhos, no parque da Chácara Nazareth, no Jardim da Boyes, na região das lagoas de Monte Alegre, altos de Ártemis, UNIMEP e no pantanal de Tanquã, assim como nos viveiros vegetais de Santa Rita e de Tupi.

O diagnóstico admite que Piracicaba já possui, inclusive, seu odor próprio. E que cheiros, agradáveis para uns, podem ser desagradáveis para outros. A análise do projeto também avança no sentido de lembrar que “certos cheiros ruins porém úteis, são conotados agradáveis por serem associados à produção e a memórias agradáveis da existência”. E, neste sentido, lembra que é o que ocorre, na cidade, com relação à fonte de águas sulfurosas de Ártemis, o cheiro das moendas nas usinas de cana de açúcar, as áreas de compostagem vegetal das estrebarias e hortas. Trata-se, neste caso, de valores culturais, que não cabem, portanto, serem discutidos dentro do critério olfativo de ruim ou bom.

O que fazer?

Uma das sugestões do Projeto Beira Rio é que se desenvolvam projetos de micro, média e grande escala, a curto médio e longo prazo. Para tanto, a participação de engenheiros químicos e agrônomos das universidades locais, dos comerciantes dos perfumes (ACIPI), dos secretários municipais, das agências de turismo, consórcio, Comitê de Bacias, jardineiros e técnicos da Secretaria de Meio Ambiente será fundamental.

O entendimento exposto no projeto é que “o tema prioritário do saneamento do rio é vívido em termos de cheiro. Aquele é tema de engenharia, este é tema da cultura íntima do olfato. Talvez estejamos, aqui, no ponto estratégico

mais importante e urgente do Projeto Beira Rio e até de toda a cidade e município. Digamos, então, que o cheiro é a dimensão cultural do saneamento. O saneamento pode até cheirar mal. Mas a questão turística do cheiro, notadamente nas proximidades dos restaurantes, hotéis, parques e jardins, hospitais, lares, etc é vital, quer seja saneado ou simplesmente desodorizado”.

Trabalhando também um mapa sonoro do entorno do rio, o diagnóstico acaba por indicar um drama: os locais que ainda preservam um som agradável ou ainda vivem o privilégio do silêncio se encontram ameaçados de mau cheiro.

Já os espaços onde os conflitos sonoros se multiplicam são aqueles onde se concentram os pontos turísticos emblemáticos da cidade.

Na memória de historiadores e pesquisadores permanecem, entretanto, sons do passado, que caracterizaram o rio: do porto, dos engenhos, dos barcos a vapor, do trem e do bonde, das sirenes do Engenho Central e de Monte Alegre chamando para o trabalho ou anunciando o final da jornada diária. As novas vozes foram identificadas como motores dos carros, barcos, aviões, que se mesclam ao barulho das corredeiras, da chuva e das ventanias, das refeições no Mirante e das megafestas assombrosamente barulhentas.

As imagens que envolvem o rio

A síntese do Projeto Beira Rio foi dada por algumas frases selecionadas como emblemáticas:

“ O rio é amado”.

“Esse amor ao rio chega ao nível místico e poético”.

“A relação com o rio é memória: o maior patrimônio”.

“O rio ainda garante a vida da comunidade humana, da fauna, ictiofauna, flora”.

“O rio faz viver, mas também mata”.

As frases que defendem teses errôneas foram as seguintes:

“O rio é um bem comercial, jazida a ser explorada. O rio é coisa, não é gente. Portanto, o comportamento predatório não tem problema”.

“O rio é reprodutível ao infinito. O progresso não tem fim, ninguém segura o progresso”.

“A ciência e a tecnologia vão encontrar solução para todos os problemas do rio”.

“O desenvolvimento sustentado é duradouro. Não é recuperar”.

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