O movimento operário no interior paulista (1)
A segunda década do século XX foi marcada por duas grandes greves gerais de operários, respectivamente nos anos 1917 e 1919. Os trabalhadores da cidade de São Paulo exerceram papel importante na história do movimento proletário desse período e foram os primeiros a cruzarem os braços na busca por profundas reformas sociais que melhorassem ou mesmo transformassem radicalmente as condições de vida da classe trabalhadora do país, influenciando militantes e operários em diferentes municípios do interior do estado e até mesmo em outras unidades federativas do Brasil. As paralisações, no entanto, ganharam contornos próprios em cada uma das cidades tomadas pela classe trabalhadora.
As greves operárias de 1917 e 1919 em Piracicaba mantiveram semelhanças com os movimentos paredistas da capital paulista, mas também foram marcadas por peculiaridades que podem nos ajudar a compreender a complexa atuação dos trabalhadores nas pequenas e médias cidades brasileiras durante a Primeira República.
Este artigo pretende, portanto, analisar esses dois importantes eventos no município, comparando-os com as mobilizações verificadas na capital, apontando as conexões e as singularidades regionais.
Introdução
A greve geral de 1917 teve início no dia 8 do mês de junho na fábrica de tecidos Cotonifício Rodolfo Crespi em São Paulo. Iniciada por mulheres, a greve rapidamente ganhou a adesão dos outros operários do cotonifício, depois de outras fábricas da capital, de outros ramos, e terminou alcançando outras cidades e estados. Diferentes regiões do Brasil tiveram seus estabelecimentos industriais completamente paralisados; entre as cidades que aderiram a esse grande movimento paredista constam: Campinas, Jundiaí, Limeira, Santos, São Roque, Sorocaba, Belo Horizonte, Pelotas, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro.1 Foi a maior greve do período e ficou imortalizada na memória do movimento proletário. Em 1919, novos levantes operários ocorreram em diferentes unidades da federação, e em algumas cidades, como em Piracicaba, transformaram-se em greves gerais. Algumas das bandeiras levantadas pela classe trabalhadora em todo o país em 1919 permaneceram as mesmas de 1917, como a tão almejada jornada de 8 horas de trabalho conquistada naquele momento apenas por algumas categorias operárias.2
As mobilizações de 1917 e 1919 inspiraram um razoável número de trabalhos acadêmicos e cada vez mais os historiadores do trabalho têm se esforçado em demonstrar que, embora haja conexões entre o movimento da capital paulista e os de outros estados, havendo inclusive uma pauta comum de reivindicações, as greves das demais cidades do país não foram meros reflexos do movimento original de 1917 em São Paulo.3 O movimento operário de cada uma das unidades federativas do Brasil possui semelhanças, mas também peculiaridades, e não podem ser reduzidas a um efeito colateral da região Sudeste. A partir dessa premissa, alguns pesquisadores se debruçaram sobre os contornos dessas greves nos demais estados brasileiros. Atualmente é possível encontrar trabalhos publicados sobre os movimentos paredistas de 1917 ou 1919 em cidades como Recife, Salvador, Porto Alegre e Rio de Janeiro.4 Entretanto, ainda são raras as análises dedicadas às pequenas e médias cidades do território nacional; a historiografia centrada nos grandes centros urbanos não abordou as particularidades econômicas, sociais e políticas dos municípios interioranos.
A dimensão que tomou o movimento paredista em São Paulo contribuiu para ofuscar a leitura centralizada nos diferentes municípios do estado paulista, que muitas vezes foram compreendidos apenas à luz dos eventos da capital.5 A leitura atenta da imprensa sugere que essa interpretação também foi promovida pelos jornalistas durante as greves de 1917 e 1919. Em Piracicaba, os principais periódicos noticiaram o advento das greves no município a partir da relação com os eventos em São Paulo. Assim, em 1917, o Jornal de Piracicaba publicou:
A greve dos operários na capital, embora terminada, não podia deixar de repercutir no interior do Estado.
Anteontem, à noite, foi distribuído pela cidade um boletim concitando os operários de Piracicaba a cruzarem os braços, deixando de comparecer ao trabalho como um signal de solidariedade aos seus companheiros da capital.6
A Gazeta de Piracicaba, outro importante periódico do município, seguiu o mesmo movimento do Jornal de Piracicaba nessa greve e publicou:
A agitação operária, a primeiro momento limitada à capital paulista, ameaça alastrar-se pelo interior do Estado, tomando um caráter alarmante.7
Em 1919, um movimento paredista em Piracicaba se iniciou após a paralisação dos trabalhadores ferroviários em toda a linha da Estrada de Ferro Sorocabana. A greve começou com os operários da Sorocabana em São Paulo e o Jornal de Piracicaba afirma:
Segundo comunicação que recebemos ontem de São Paulo, o movimento paredista vem se alastrando na Sorocabana.8
Os operários das indústrias piracicabanas deflagram um movimento paredista em 1919, após a greve na ferrovia que também passava por Piracicaba. Novamente a greve se inicia entre os ferroviários da capital e a mobilização operária no município é compreendida como um resultado direto dos eventos da metrópole.9 O uso dos termos “alastrar” e “repercutir” ou a explicação dada pelo Jornal de Piracicaba de que a greve geral de 1917 seria um movimento de solidariedade aos operários da capital, reforçam a relação direta entre o município e São Paulo.
Neste artigo, pretendo apresentar as várias conexões entre o movimento paredista que ocorreu em Piracicaba e aqueles vividos em São Paulo nos conturbados anos da Primeira República, mas também almejo deixar uma singela contribuição aos historiadores e observar as peculiaridades do movimento paredista operário em Piracicaba. A história e a historiografia do trabalho poderão atingir um outro patamar analítico a partir da articulação das pesquisas regionais, ou seja, do cruzamento das informações sobre a vida e o movimento da classe proletária nas várias pequenas, médias e grandes cidades brasileiras.
referências
- BIONDI, Luigi; TOLEDO Edilene. Uma revolta urbana: a greve geral de 1917 em São Paulo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2018.
- Uma análise comparada das greves gerais operárias de 1917 e 1919 nas cidades de Salvador, Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo foi realizada por Aldrin Castellucci em: CASTELLUCCI, Aldrin. Guerra, revolução e movimento operário: as greves gerais de 1917-1919 no Brasil em perspectiva comparada. In: SPERANZA, Clarice Gontarski (org). História do trabalho: entre debates, caminhos e encruzilhadas. Jundiaí: Paco Editorial, 2019.
- Ver: CASTELLUCCI, Aldrin. Flutuações econômicas, crise política e greve geral na Bahia da PrimeiraRepública. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 50, 2005.
- CASTELLUCCI, op. cit.
- Christina Roquette Lopreato abordou sucintamente a greve operária de 1917 em algumas cidades do interior paulista, como Campinas e Sorocaba, em sua tese de doutorado defendida no Departamento de História da Unicamp em 1996, posteriormente publicada em livro. Ver: LOPREATO, Christina Roquette. O espírito da revolta. A greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Annablume, 2000
- Jornal de Piracicaba, Piracicaba, 17 jul. 1917. Grifos da autora. Biblioteca Municipal de Piracicaba, Piracicaba, SP.
- Gazeta de Piracicaba, Piracicaba, 15 jul. 1917. Grifos da autora. Biblioteca Municipal de Piracicaba, Piracicaba, SP.
- Jornal de Piracicaba, Piracicaba, 1 jul. 1919. Grifos da autora. Biblioteca Municipal de Piracicaba, Piracicaba, SP.
- Jornal de Piracicaba, Piracicaba, 5 jul. 1919. Biblioteca Municipal de Piracicaba, Piracicaba, SP.
(continua)
Para conhecer o artigo completo, acompanhe a TAG Greves Piracicaba.
*Fabiana Ribeiro de Andrade Junqueira é doutoranda em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduada e Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3431-6188. E-mail: [email protected].
[Este artigo foi publicado em revista da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina: Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 12, p. 1-21, 2020 | e-ISSN: 1984-9222 | DOI: https://doi.org/10.5007/1984-9222.2020.e74220 ]