Quando o Bispo vetou a candidatura do protestante Domingos Aldrovandi

Muito mais do que hoje – e de maneira clara, aberta, ostensiva – a Igreja Católica sempre influiu, no passado, nas eleições. Isso perdurou até os anos 60, quando D.Aníger Melilo foi designado Bispo de Piracicaba. D.Aníger – já no espírito ecumênico do Concílio Vaticano II e com as transformações do Papa João XXIII – sempre se posicionou equidistantemente das batalhas políticas; agindo muito mais no plano espiritual e no social.

Piracicaba, no entanto, teve, antes dele, um clero atuantemente político. Desde o início de sua história, com a figura do Padre França, um liberal revolucionário, não se podendo esquecer do Padre Galvão e suas lutas políticas e fundiárias. Depois, mais modernamente, com Monsenhor Manoel Francisco Rosa, o padre e depois monsenhor Rosa, figura importante do antigo PRP. E, com a instalação, em 1945, da Diocese de Piracicaba, D.Ernesto de Paula, o primeiro bispo, passou a ter grande influência política. D.Emesto era o que se chamava, antigamente, de “Príncipe da Igreja”, autoritário, zeloso de sua função de pastor. Era um anticomunista convicto. E a Igreja, naqueles, tempos, abrigava a famosa “Liga Católica”, que fazia relações de candidatos que deveriam ser votados pelos católicos e de outros que deveriam ser abominados.

D.Ernesto de Paula, quando Luciano Guidotti foi eleito prefeito pela primeira vez, assumindo a Prefeitura, tornou-se como que um dos conselheiros do prefeito que realizou a primeira revolução urbana em Piracicaba. Como se dizia antigamente, D.Ernesto era da “copa e da cozinha” do prefeito Luciano Guidotti. Ambos se respeitavam e Luciano, num primeiro momento, deixou-se influenciar pelo pensamento da Igreja, pelas posições de D.Emesto, pois se tomara um “Comendador da Igreja”. Quando, porém, da sucessão municipal, em 1959, as coisas azedaram. Primeiramente, Luciano Guidotti – cuja administração fora brilhante, merecedora de aplausos gerais – tentou que houvesse um candidato único. Na realidade, Luciano fôra – à medida que seu prestígio aumentava – afastando-se dos políticos; assumindo, ele próprio, uma liderança autoritária, cujas bases estavam assentadas num indiscutível apoio popular. Mas não admitia oposição, contestações.

Fracasso de acordo

A idéia de um candidato único, lançado por todos os partidos, encontrou eco, mesmo porque, com Luciano Guidotti, surgiam novos grupos sociais ascendentes, uma nova sociedade piracicabana, que chegava ao poder após o longo ciclo do “samuelismo” e do “gonzaguismo”. A imprensa da época – então apenas com o “Diário de Piracicaba”, de Sebastião Ferraz, e o “Jornal de Piracicaba”, de Losso Neto – caminhava ao lado de Luciano, sendo favorável, também, à idéia da candidatura única. Na verdade, era uma tentativa de manter as coisas como estavam apesar de o Brasil – com a euforia juscelinista – ter sido despertado para o novo, para arrojos, a obsessão pelo desenvolvimento. Ora – era como se as lideranças locais pensassem – se Piracicaba estava indo tão bem, na linha do desenvolvimentismo, por que mudar? Uma candidatura única, apoiada por Luciano Guidotti, parecia uma fórmula ideal.

Foi quando, no entanto, começaram as dificuldades. O homem da preferência de Luciano Guidotti era o líder canavieiro Domingos José Aldrovandi, político brigador, barulhento, que passara a ter grande popularidade e influência, chegando à Presidência da Câmara Municipal. Mas, aí começaram as dificuldades. A primeira delas surgiu com a rebelião de Francisco Salgot Castillon, um fenômeno de liderança populista, talvez um dos poucos casos conhecidos que, sendo da UDN, tinha apoio dos sindicatos e das classes mais pobres. Salgot Castillon não concordava com a candidatura única, tendo-a como antidemocrática, como na verdade era. Ele queria houvesse disputa, mesmo porque, segundo ele, a administração de Luciano Guidotti, ainda que brilhante, deixava muito a desejar nos aspectos sociais. Luciano Guidotti fosse hoje, poderia ser visto como um neoliberal. A oposição de Salgot, portanto, foi à primeira pedra no sapato dos defensores da candidatura única.

O veto a Aldrovandi, o protestante

Mas houve uma segunda pedra, talvez a maior: Domingos José Aldrovandi, o candidato único da preferência de Luciano Guidotti, era metodista. E D.Ernesto de Paula escandalizou-se, furioso: ele, Bispo da Igreja Católica, não poderia admitir que Piracicaba, sede de sua Diocese, fosse administrada por um protestante. Pois a luta contra os protestantes foi, em Piracicaba, de um ranço terrível. Protestantes eram marginalizados, excluídos, numa época de fanatismos religiosos difíceis de serem compreendidos hoje, apesar de, atualmente, a mão ter-se invertido: há ranços preconceituosos de áreas protestantes contra católicos, como ocorre com os “novos medotistas” em Piracicaba.

O fato é que D.Emesto de Paula interferiu diretamente, ostensivamente, mesmo tendo Luciano Guidotti como seu amigo particular: não aceitaria a candidatura de Domingos Aldrovadi e não admitia discussões. Surgiu, então, a grande crise entre a Prefeitura e a Igreja. E, ao mesmo tempo, o primeiro grande abalo na influência que D.Emesto de Paula exercia sobre a Cidade.

Os tempos estavam sendo transformados, D.Emesto de Paula não admitia mudanças, como nunca chegou a admitir nem mesmo o advento da “Primavera da Igreja”, com a ascensão do Papa João XXIII, a Igreja mais despojada, aberta ao mundo. Por outro lado, Salgot Castillon – que se opunha à candidatura única – tinha um passado de grandes vínculos com a Igreja Católica, pois vindo, da Espanha ainda muito criança, fora criado por seu tio de Piracicaba, Monsenhor Martinho Salgot, vigário da Igreja do Bom Jesus.

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