Imprensa piracicabana no século XIX (2)

Este artigo, aqui dividido em capítulos, recupera parcela inicial da tese de doutorado do autor, defendida em 1998, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo. O texto aborda as origens da imprensa na cidade de Piracicaba no século XIX, apresentando os principais jornais e ações ocorridas naquele período.

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Foto: Ilustrativa

O processo original aponta onze cidadãos como sendo vítimas dos versos caricaturais: João Manuel Carneiro Brandão, branco, 62 anos, ceramista; Francisco Telles Barreto, branco, 50 anos, ferreiro; Sebastião Leme da Costa, branco, 86 anos, carvoeiro; Antonio Leme da Costa, branco, 56 anos, pequeno produtor agrícola; Salvador Leme, pardo, produtor agrícola; Ignácio de Almeida Lara, alcaide da Vila e agricultor; Romão Alves de Oliveira, branco, 42 anos, comerciante de molhados, taverneiro, dono da Venda do Fogo; Francisco José de Souza, pardo, 21 anos; Salvador Álvares Fragoso, branco, 46 anos, lavrador; Antonio de Campos Bicudo, branco, 42 anos, negociante; Desiderio José Luis da Motta, branco, 25 anos, carpinteiro.

Segundo, ainda, Perecin:

“Concluindo: destes onze, conhecemos a naturalidade de nove, dos quais apenas um declara ser nascido em Piracicaba. Destes mesmos onze, constatamos que oito eram eminentemente “vítimas urbanas”, os três artesãos (oleiro, ferreiro, carapina), os dois negociadores, o alcaide e os dois que “viviam das suas agências”, embora estes três últimos também tivessem interesses rurais. Dos três agricultores, dois deles, pai e filho, possuíam interesses urbanos como fornecedores de carvão e certos trabalhos de ferraria. Porém, lembramos que Piracicaba, a exemplo das Vilas da época, possuía um estilo de vivência urbano-rural.” (PERECIN, M.T.G, idem nota 1, pag. 142)

E aponta, também, como suspeitos por terem escrito e distribuído os pasquins, o Tenente Coronel de Milícias Theobaldo da Fonseca e Souza, engenheiro (no sentido de ser proprietário de engenho) e latifundiário, um dos políticos mais influentes no Partido dos 40 coligados; os irmãos Carlos José Botelho e Alferes Manuel Joaquim Pinto de Arruda, igualmente Coligados, donos de engenho e proprietários de terra, ligados à nobreza colonial da época; Francisco José Machado, tabelião e escrivão da Câmara, de 25 anos; Antonio Sampaio de Barros, era sacristão da igreja e proprietário da “Venda do Fogo”.

Entre 24 de abril e 27 de maio, o então Juiz Ordinário, Manoel de Toledo e Silva, ouviu várias testemunhas e estudou o caso, sem, contudo, encontrar provas suficientes, além do disse-me-disse e do ouvi dizer, visto que entre os acusados ficava difícil a apresentação de uma prova concreta, para os parâmetros de avaliação da época. Em sua sentença final, Toledo Silva conclui afirmando que “Não procede a culpa de pessoa alguma!” Fato confirmado três anos depois pelo Ouvidor Geral e Corregedor, Dr. Antonio de Almeida Silva Freire da Fonseca, que, em 15 de setembro de 1836, afirmou “Julgo nula esta devassa por falta de prova!”

A primeira sentença, contudo, transferiu aos responsáveis pela solicitação e iniciativa de ampliar a Rua Boa Vista, os custos processuais da ocasião, o que, segundo Perecin,

“… restou aos peticionários, além dos dissabores e do pagamento das despesas atribuídas aos onze, ao Brandão coube a advertência da 19ª Quadrinha, ao Telles e ao Leme da Costa as advertências da 20ª Quadrinha. Humilhações. Não foi tudo. Às aspirações dos Populares, o Direito das Gentes e à cidadania, contidas e espezinhadas, ainda restaram pendentes ameaças de violência a consumar-se no futuro. De sua ousadia em ser Povo, nada sobrou, se não o ridículo dos versos na caricatura de um pasquim e o registro da memória.” (PERECIN, M.T.G, idem nota 1, pag. 163)

Como registro, aqui transcrevo o “Hynno ao Pichorreiro e aos Dois Ferreiros”:

Não vai adiante

a nova rua

que os intrigantes

querem abrir

 

Lá mais convém

Constituição

de a tal gente

dar-se atenção

 

Ao Pelourinho

vão amarrados

e ali todos

sejam surrados

 

Viestes a Itu

fazer a cama

dos camaristas

daquela Câmara

 

Mas o Despacho

que alcançastes

por ser tão bom

o não mostrastes

 

Ao Pelourinho

vão amarrados

e ali todos

sejam surrados

 

Estes bêbados

aqui vieram

e boas mostras

de si cá deram

 

Sua contenda

foi decidida

ou viver quietos

ou perder a vida

 

Ao Pelourinho

vão amarrados

e ali todos

sejam surrados

 

Eles prometem

assim obrar

ou hão de cumprir

ou desertar

 

Por que o Monarca

quer tudo em paz

e não perdoa

tal mão obrar

 

Ao Pelourinho

vão amarrados

e ali todos

sejam surrados

 

Nunca se viu

que aguazis

possam ter visto

onde há Luis

 

São pés de chumbo

estes malvados

que ali vivem

tão disfarçados

 

Ao Pelourinho

vão amarrados

e ali todos

sejam surrados

 

Deverão ir

bem amarrados

quando os outros

foram levados

 

A vil perrada

só a chicote

jamais se emenda

de outra sorte

 

Ao Pelourinho

vão amarrados

e ali todos

sejam surrados

 

Cuida do barro

oh! Pichorreiro

que é de onde

tiras dinheiro

 

E vós ferreiros

da maldição

vão malhar ferro

e fazer carvão

 

Ao Pelourinho

vão amarrados

e ali surrados

estes malvados.

(Cf. “Hynno ao Pichorreiro e aos Dois Ferreiros”. Na imprensa constitucional do juízo imparcial”, ano de 1823, Pasquim, Diário de Piracicaba de 01/08/1962, p.1, c. 4.)

Acompanhe outros capítulos de “Imprensa piracicabana no século XIX”, seguindo nossa hashtag Imprensa Piracicaba – sec. XIX.

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