Hera, rainha e companheira no poder

Partilhar o poder oficialmente com o chefe dos deuses é empreitada nada difícil para Hera – deusa do casamento – mas não nos enganemos quanto às suas ambições; não quer apenas um marido, quer tudo: uma casa confortável, segurança, um marido confiável, filhos maravilhosos, um lugar respeitável na comunidade e, muitas vezes, um bom emprego.

Aceita a maternidade com calma e sem hesitação e considera algo muito sério, mas de maneira alguma é uma mãe branda, tolerante e permissiva. Sua índole dominadora e organizadora logo desponta, em relação aos filhos. Ela tem valores rigorosos, geralmente herdados da própria mãe, e exigirá bom comportamento, quartos em ordem, obediência e boa educação de todos eles. Para tanto está preparada para treiná-los e discipliná-los com bastante rigidez.

A mulher- Hera, na superfície, parece ter um bom casamento. Mais do que qualquer outra deusa, ela é extremamente consciente da sua posição na sociedade. Não só defende todos os valores mais conservadores da sua casta social, como também tende a assumir o papel de juíza dos novos gostos e costumes. Devido à suas aspirações sociais evidentes, Hera sente-se mais à vontade naqueles círculos ou instituições que celebram e reforçam a sua posição e dignidade. Ela adora todos os encontros familiares onde pode se ver rodeada e adorada por filhos e netos. O amor deles geralmente é secundário; muito mais importante é ter o respeito e a reverência como o centro das questões familiares e do decoro social.

No mundo moderno ainda se espera de uma esposa que ela esteja pronta para dar apoio ao marido e às metas e objetivos dele, não vice-versa, o casamento continua existindo primordialmente para perpetuar a supremacia patriarcal e, apenas secundariamente, para benefício das mulheres. O elevado índice de divórcio e a decisão de tantas mulheres seguirem hoje o caminho solitário de Atena (deusa da carreira, da profissão)nos indicam o clamor contra a inadequação do casamento como um lugar de crescimento e plenitude para a maioria das mulheres na fase de evolução em que hoje se encontram.

No entanto, a despeito de todas as limitações, humilhações e deficiências do casamento, a mulher-Hera ainda se sente profundamente atraída por ele; ela não quer viver e trabalhar sozinha. O preço da liberdade lhe é alto demais. O papel da esposa tem significado profundo para ela. Romanticamente anseia por dividir a tarefa de criar os filhos, estabelecendo uma unidade singular chamada família e assegurando que o seu marido conquistará uma posição sólida e respeitada por todos, aos olhos do mundo. Ela acredita no valor fundamental e na necessidade da família tradicional, e está corajosamente preparada para sacrificar muitas coisas a fim de assegurar a sua perpetuação. O casamento é vivenciado como conquista de poder. Ao ingressar na união conjugal, ela se torna mais do que costumava ser quando solteira. Na sua nova identidade de esposa fará tudo para tornar o marido completo, sentindo-se plena e participante da inteireza dele. Sob muitos aspectos, não é isso que um casamento deveria ser? Um completar-se através do outro? – embora o modo como isso poderia ocorrer seja parte essencial de um mistério.

A mulher-Hera quer ter exatamente tanto poder quanto o marido, isso significa que as mesmas qualidades masculinas de Atena são usadas por ela, a despeito do custo disso para sua feminilidade, pois entende ser de grande utilidade no ritmo de agitação do mundo paternal, onde fazer as coisas é tão importante. Portanto, não nos enganemos quanto às ambições da jovem Hera. Sua chaga é a dor da impotência. Sua dinâmica consiste em ela querer estar onde as coisas acontecem, e a origem do seu protesto é que ela odeia o marido – o seu e todos os outros – por excluí-la da ação; já que divide tudo em casa com ele, sente-se no direito de fazer o mesmo no mundo exterior. Não é de sua licenciosidade sexual, mas sobretudo da sua promiscuidade política que ela tem ciúmes, da sua capacidade de estar envolvido em tantas coisas diferentes, da sua capacidade de movimentar-se. Como reação, apega-se possessivamente a ele, exigindo ser a sua única confidente, por menos realista que isso geralmente seja, e irá espezinhá-lo para obter informações e opiniões sobre seus colegas e sobre suas decisões de trabalho.

Em sua necessidade de estar próxima, ela inconscientemente exige uma intimidade quase simbiótica; é como se quisesse estar na própria pele dele. Para a maioria dos homens, uma tal penetração psíquica por parte da energia de uma mulher é intolerável pois traz à tona profundos medos infantis de poder avassalador daquilo que denominamos “mãe devoradora”, como as bruxas esfaimadas das histórias de fada que querem devorar pequenas criancinhas.

Deixe uma resposta