A parte que nos cabe

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Permita-me o leitor uma poética e tímida colcha de retalhos nesta crônica semanal. Praticar o sonho como exercício de afeto, integridade e beleza.

Meu pai enrolava entre os dedos um cigarro de palha caprichoso. Moviam-se ali tantos segredos daquele fumo sempre bem cheiroso. Meu pai me oferecia um pedacinho do fumo preto para que eu cheirasse. “Faz espirrar!”, dizia com carinho, esperando que em seguida eu espirrasse. E num espirro, a saudade bate. Meu coração mais uma vez se abate e nas lembranças, triste, me retiro. Ó pai querido, não me queres triste. Posso senti-lo, desde que partiste. Quero espirrar… e só suspiro!..

Se o céu desabar, não haverá como sair de baixo. Feliz de quem construiu seu próprio refúgio dentro do coração. É coisa espiritual e não se compra com dinheiro do mundo. Não é coisa física, tipo uma construção segura, senhores.  Vai muito além da nossa vã filosofia.

Ofereço-te meu ombro, meu assombro e minha amizade. Fica por conta dos velhos tempos e da saudade.

Vá lá. Ainda estou nocauteada de sonho. Mas também indignada. As coisas dão uma volta muito longa para chegar onde desejam. Dona Vida é cheia de nove horas, reparou? Ela se adianta, se atrasa, chega no meio da festa e, às vezes, sai de fininho. Ninguém pode abrir a boca. Resta um caixão tristíssimo, flores de um perfume ruim, uma cova na terra, a conta maior que tiveste em vida.

É de bom tamanho, nem largo nem fundo. É a parte que nos cabe neste latifúndio.

Durante a confissão, num momento inspirado, em que os santos nos altares pararam para ouvi-lo, o frei disse: “Minha filha, Deus conhece o barro de que somos feitos”.

As coisas da Terra são sempre muito sombrias. Devem ser mais belas e mais alegres as do Céu. Buscai as coisas do Alto. É para as alturas que dirijo meu olhar solene, à espera de solenidades.

Na vertigem da vida, quero a voragem do que não acontece. Do sonho não realizado. Da sorte que nunca tivemos. Do concurso que não ganhamos. Do encontro jamais tido. Do beijo não dado. Dá para entender? Melhor o mistério eterno, que a revelação absoluta, escandalosa e cruel. Essas deixam marcas e a gente tem um medo colossal delas. Ou não?

Declaração de amor em tempos de violência explícita: Pare com isso ou eu chamo a polícia!

Mais ali na frente, naquela curva, haverá uma rosa orvalhada. Será que chego lá? Perdida de amor, pergunto: Deus, por que fizestes tudo isso, assim, sem ao menos nos avisar?

Sabe quando a visita já acabou? Despedimos-nos e paramos um pouco ali fora, na rua? Aquele restinho de conversa não é sempre o melhor? Melhor e mais profundo do que tudo o que foi dito lá na sala.

Ocê caiu nos braços de Morfeia e eu, que não sou besta nem nada, de Morfeu. Meu! Eita deus dos bão! Ele vem alisano a gente, fazeno uns cafuné, começa lá pelos pé. Né? Aí, vai subino, subino e quando a gente vê, a gente tá durmino!…

Uma vez, quando a manhã se abria, me fechei. Foi das piores coisas que fiz na minha vida. O coração não pode se fechar. Nunca. Nem um dia sequer. Não é verdade, meu anjo?

 

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