Bandeja de inox
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Emocionada com o sucesso e a repercussão de uma antiga crônica intitulada “Sala de jantar”, resolvi celebrar uma outra peça do nosso gentil cotidiano: a bandeja.
Uma casa que se preza tem uma bandeja digna. Por mais simples, talvez um pratinho de louça improvisado, onde se serve uma xícara de café, um copo de água. Para os mais finos, a bandeja é de prata. Há celebridades que as têm de ouro. Só que a minha bandeja de estimação é de inox, mas de um inox tão bom que está contando 42 anos de vida. Foi presente de casamento.
Tal uma mesa de jantar com quase 40 anos preserva suas histórias, uma bandeja grande de inox guarda fatos memoráveis, festas e momentos inesquecíveis. Lembro-me que levei tempo para tirar da caixa e usá-la, guardei-a num armário, preciosa. Tinha outras bandejas menores e esta de inox, que é de bom tamanho, esperou sua estreia.
Mas, depois que a lavei e enxuguei pela primeira vez, brilhava cintilante em sua beleza inoxidável. Na superfície ligeiramente mais baixa que a borda há uns leves arabescos e, nas laterais, as alças que dão segurança e praticidade na hora de servir.
Depois do jantar para convidados, a bandeja lá estava a postos, com as xícaras do cafezinho. Uma toalhinha rendada cobria seu fundo para um encanto a mais. Senão, os cálices de licor, muito bem arrumados. E os arranjos lindos de frutas que ela já recebeu?
De quantas festas de aniversário ela participou, cheia de copos, passada pra lá e pra cá, ajudando a compor um cenário que, anos depois, queremos pintar de novo na memória, reforçar essa tinta antiga que nos foge…
Na família, pediram-me emprestada inúmeras vezes, para que nela fosse colocada a famosa “Torta Mesclada”, receita maravilhosa de minha querida e saudosa sogra. Seu tamanho é perfeito para duas receitas, ou seja, dois bolos de pão-de-ló retangulares, cortados ao meio, recheados com creme, cobertos com um merengue feito de clara de ovos em neve e calda de açúcar queimado, mais um creminho suave de chocolate para mesclar. A cobertura é o show maior da receita que vai passando de mão em mão.
Minha bandeja já rodou bastante por aí, como se diz. Foi para o colégio do primeiro neto, nas festinhas de aniversário. Foi para São Paulo, quando a levei comigo e fiz a torta para a madrinha adorada. Quantas vezes, carregada no colo, dentro do carro, lá ia a bandeja cheia para mais uma abençoada mesa!
Ah, minha querida bandeja de inox! Que doçuras exalas! Como é da vida, uns partem e outros chegam. Faz 42 anos que a tenho e a preservo. Vai servindo a todos, aos novos que dela se cercam e a admiram. Vai seguindo emprestada, com meu nome escrito embaixo, porque deve ter ido para algum lugar onde precisava de identificação para ser devolvida depois.
Uma mesa de jantar com história própria, impregnada de amor em seus veios; uma bandeja de inox que serviu incontáveis vezes; o faqueiro reservado para ocasiões especiais… Tudo isso compõe uma relíquia doméstica que é puro sonho, saudade, beleza e afeto.