Companhia

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“Onde você vai passar o Natal?” É a pergunta do momento.

Nessa época do ano, damos conta do pavor que temos da solidão, embora sejamos todos solitários. Por mais cumplicidade que haja entre pessoas sempre terão, como a lua, uma face oculta e, por mais que queiram não conseguirão revelar a ninguém. Pessoas que muito amamos, nem mesmo as que geramos suprem nossa solidão. Nesse sentido, intensas alegrias ou grandes sofrimentos quem poderá vivenciar como nós vivenciamos? Emoções inesquecíveis são só nossas, assim como tristezas; e a doença que um dia nos levará a atravessar os umbrais da morte sozinhos. A solidão nos coloca frente a frente. Nosso eu aponta para o infinito, pedindo mais do que estamos lhe dando. Contudo, corremos de nós mesmos. Por isso, para muita gente, companhia é fundamental. Distrai. Não é o Natal que incomoda. É o que andamos fazendo de nossa existência.

Muitas vezes dizemos que ninguém nos compreende. Nem tem como. Na verdade, esperamos o que ninguém pode fazer plenamente. E quem se mete a dar conta disso será como cego guiando cego. Quem se arvora no direito de ser guia do outro impede aos dois o caminho do coração, já que “No coração estão as razões da vida”. (Rollo May). “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!” (Nietzsche).

Segundo François de La Rochefoucauld, moralista francês (1613-1670) “Se alguém não encontra a felicidade em si mesmo, é inútil que a procure noutro lugar”. Portanto, quem tem que me compreender sou eu mesmo. Enquanto isso não fizer serei um elo perdido a encher o saco de todo mundo. “O Natal é uma época em que você sente saudade de casa – mesmo quando você está em casa”. (Carol Nelson). É tempo de voltar para ‘casa’ já que lá estão explicações que precisamos para nos entender, nos acolher e assim acolher o outro.

A lida da vida forçou muita gente a virar árvore de Natal. Para ser aceito e admirado botou pisca-pisca, bolas, laços, pacotes, estrelas e tantos adereços que já nem se nota o verde original.  Assim desfigurado a gente se torna uma representação. Quem valoriza uma representação além do conveniente prazo de utilidade? Acabamos ficando conhecidos e reconhecidos pela profissão e dedicação (ou apego) ao cargo; pelas crenças e posição social; por ser filho de fulano ou marido da beltrana. Que amor e respeito tem por si aquele que se submete a tamanho mico?

É tempo de se enxergar e ouvir nosso interior. Libertar-nos do peso que fomos acumulando para aliviar o dos outros; das encrencas em que nos metemos para ganhar aceitação, e dos papéis que fomos assumindo porque outros se eximiram. Rebrilhe em nós a luz original que a descrença em nós mesmos ofuscou. Salvação é isso. Não é milagre.

Evidente que precisamos sim de companhia, pois quem nos criou nos criou para o amor, para a fraternidade, para o encontro, para servir e assim nos ajudarmos a achar o próprio caminho. Porém, se os que você chama de amigos só pensaram no presente, na cerveja e na carne, melhor ficar sozinho, porque como sempre, o começo é legal, depois vira um saco. Você merece sua saudável e imprescindível companhia.

E em vez de árvore, monte um presépio porque lá está o que todos nós precisamos: nascer de novo.

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