Conceito Doente
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Entre a construção de um hospital ou um centro esportivo e de lazer, a população provavelmente escolheria o hospital já que seu conceito de saúde está ligado à doença. Hospital pode curar o doente, mas não cura a doença. Sem modificar o conceito que temos de saúde, não há dinheiro que chegue. Unidades continuarão cheias. O setor público não dá conta nem o privado. Apesar de boas iniciativas – e Piracicaba melhorou muito – grosso modo falando, a situação não irá se modificar porque faz buraco na água gestor que se limita a construir unidades de atendimento e hospitais; contratar médicos, fornecer remédios, ampliar rede de especialidade, etc. Se houver dinheiro pode até diminuir problemas, porém, quando acaba vira caos.
É preciso garantir condições de bem-estar físico, mental e social, e não apenas curar doentes. Saúde está mais em nosso cérebro que em nosso corpo. Nesse sentido, que bem-estar pode ter quem gasta mais da metade do que ganha com aluguel; quem mora em cortiço, barraco ou de favor? Que vida saudável podem levar idosos, deficientes e doentes trancados em casa porque no bairro nada há para eles; e mesmo havendo, calçadas esburacadas são empecilhos. E para jovens da periferia, o que existe de esporte, lazer, ocupação, cultura, desenvolvimento de talentos para que tenham mente sã num corpo são e boas perspectivas de vida? Mais que tudo, um meio ambiente preservado é fonte de saúde e equilíbrio. Quantos parques existem na cidade? Falo de árvores altas, lagos, flores, pássaros e amplos espaços para crianças interagirem e empinarem pipas? Que qualidade de vida pode ofertar uma cidade barulhenta, insegura, cheia de carros; que não ofereça lazer para todos; que não incentive a alimentação saudável amparando a agricultura familiar?
Indo mais a fundo, que bases para equilíbrio emocional terão bebês deixados em creches, onde, por melhores que sejam, não há referência e nem identidade? Seria mais saudável e barato bancar suas mães por um tempo. Que perspectiva de vida haverá para crianças tiradas na marra de pais pobres por juízes e técnicos que julgam fatos segundo seus conceitos e preconceitos; entendem nada de pobreza menos ainda dos poderosos laços que ligam o grupo familiar? Com quase nada a oferecer além de arranjos, decidem destinos à revelia. Quem responderá as indagações dessas crianças na adolescência? Existem remédios que retomem elos perdidos ou médicos que curem medo, solidão, desencanto, dependência e tristeza?
Elevado número de atendimentos indica cidade doente. Doenças têm causas que requerem plano estratégico para serem eliminadas ou controladas. Nessa perspectiva, o conceito que o cidadão e a gestão têm de saúde deve ser levado em conta. É recorrente a crença de que saúde é ausência de doenças. O cidadão deve saber que vida boa ou má tem muito a ver com modo de pensar, sentir e agir, modo esse ditado pela ideologia dominante, do qual precisa se libertar para apoderar-se da própria identidade; saber donde veio e para onde quer ir; realizar sonhos, expressar sentimentos, ter voz e vez e não simplesmente trabalhar para sobreviver ou enricar lacaios. Vida saudável implica posse do conhecimento, que liberte dos vícios que se vai incorporando a fim de amenizar fardos inerentes às crenças fabricadas.
Aí entra o Programa Saúde da Família (PSF), cujo objetivo não é aliviar a carga das UPAS e nem preencher formulários, mas criar grupos de jovens, adolescentes, idosos, dependentes de ansiolíticos, etc. afim de que se criem laços e se curem pela fala. Seu lugar é nas escolas, igrejas e espaços públicos ouvindo, integrando recursos isolados, orientando; questionando e desmontando crenças que adoecem a alma.
“Alcançou muito sucesso aquele que viveu bem, riu com freqüência e amou muito!”. (Bessie Anderson Stanley).