DO CÉU E DO INFERNO

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Divagar sobre tal tema lembra-me Saramago. Consagrado sempre; amado por uns e detestado por outros, como escritor, esse Saramago. Ateu confesso, mas sempre versando sobre religião, sobre passagens bíblicas, atitude que surpreende vinda de um não crente. Daí portugueses cristãos, apreciadores do celebrado autor, chamarem-no de “ateu religioso”. Não deixa de ser um fato.

Sem outra semelhança com tão importante personalidade, há coincidência de, sendo agnóstica, vir a discorrer sobre o assunto do título. Também tive formação católica, com aprendizado teórico, detalhes de dogmas, dos sacramentos, e relatos eloquentes de dois símbolos do cristianismo: o Céu e o Inferno (deixando-se de lado Deus, a Santíssima Trindade e a esplendorosa estrela Jesus Cristo).

Os defensores do criacionismo por outro lado, que levam Adão e Eva nus e ao pé da letra, não o fazem apenas por falta de neurônios mais aguçados com número razoável de sinapses, comecei a matutar, nem só por se acharem melhores do que os bichos. Recusam-se, verdade, a crer sermos descendentes de um tipo de macaco. Mas percebo que a revolta e a incredulidade sobre a evolução do Homo sapiens, o apego às narrativas bíblicas literais, são também por esperteza. Nossa ascendência simiesca e o evolucionismo acabariam por colocar o Céu e o Inferno em estranha posição. Explico-me, mas antes lembro que tal dupla é essencial para essa linha religiosa. Se bem que boa parte dos cristãos, mesmo acreditando nisso, aprontem das suas.

Minha pergunta é: qual foi o primeiro ser humano a ir para o céu (ou para o inferno)? Correto é pensar-se que Céu e o Inferno devam ter sido criados logo nos primeiros dias do Gênese, juntamente com o sol, astros ou até antes deles, mas parece que em vão; o Homo sapiens, só surgiu bilhões de anos depois. Assim, Céu, Limbo, Inferno e Purgatório ficaram ociosos por bastante tempo! Contudo não estamos falando de especulação imobiliária, não é? nem do Japão, onde o espaço falta. Falamos de outro plano, absolutamente largo, complacente, sem impostos ou condomínios, sem manutenção de jardins, contas de energia elétrica, ou de água. Aliás, no Céu, água não faltará… Mas os espaços ficaram vazios à espera de almas humanas, que só surgiram tão depois.

Talvez o limbo pudesse ter sido usado inicialmente para os hominídeos; ou não, pois esses não deviam ter alma. Outros bichos e os vegetais, que começaram bem simples, unicelulares, também não têm alma até hoje segundo boa parte das religiões cristãs, e os negros não a possuíam até recentemente. Aí, temos de cara, uma questão essencial: quando o homem passou a ter alma? Só tendo uma poderia ocupar um dos quatro locais de pós- morte.

Para encurtar conversa, vamos dizer que tenhamos adquirido uma alma quando já com o genoma que até hoje temos, e o qual definiu nossa espécie. Mas de que serviria uma alma criança, analfabeta, pertencente a humanos sem grande organização social? Inclusive sem batismo, sacramentos, leis definidas em taboas, peles de cabra ou em papiros e tudo o mais?  Em outras palavras, foi para o Céu o(a) primeiro(a) que socorreu um companheiro, um amigo, sua mulher ou o filho, livrando-os de se afogarem num pântano? Isso apesar de já ter rachado a cabeça de vários outros, de grupos diferentes? Ou esse(a) personagem foi para o Inferno porque apesar de ter salvo o companheiro, amigo, filho, etc… rachou muitas cabeças de humanos de grupos diferentes? Tanta complexidade deixa-me tonta e incapaz de resolver o enigma.

Abordando a linha criacionista, sabemos de cara que Abel foi para o paraíso e Caim para as profundezas do Inferno. E Adão e Eva? Sua desobediência a Deus, além de tantas amarguras, condenou-os também ao Inferno para sempre? Ou ao Limbo, Purgatório? Gostaria de ouvir opiniões abalizadas. Mas adianto que se depois de serem expulsos do paraíso, Adão e Eva o reencontraram, esse fato será desconcertante; daí termos tanto silêncio sobre o mesmo. Porque se assim foi, ficará parecido com nossos políticos corruptos, delatores premiados e outros que acabam tendo de volta tudo o que, por justiça lhes deveria ser tirado definitivamente. Até Fernando Collor já está com os carrões de novo! Pergunto-me, finalmente, se no caso de Adão e Eva haveria atenuantes. É bem possível.

Por qualquer ângulo que encare a discussão é esta muito complicada, tão complicada a ponto de deixá-la de lado e querer, insistir mesmo em navegar por outros mares, conquanto mais difíceis ainda, mais intrincados e até bem mais perigosos e profundos, porém desafiantes, cheios de fascínio na sua lógica ilogicidade.

 

1 comentário

  1. Luiz Fernando Ferraz de Arruda em 29/10/2015 às 02:59

    Pois é Eloah… Tremo em pensar no que disse Saramago: ” Por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o mais horrendo e cruel.”

    Mas, como diz a canção: “a filosofia hoje me auxilia a viver assim, nessa imensidão sem fim, vou fingindo que sou gente, pra ninguém zombar de mim.

    Saudações…
    Parabéns pelos textos divulgados.

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