URUBUS

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Em reuniões das quais participo, encontro gente desanimada com a situação atual. Comparam o antes com o agora e não se conformam. Falam que o mundo está perdido. E vão desfiando casos escabrosos que leram nos jornais e viram em programas de TV. Como quem conta um conto aumenta um ponto, imaginem onde a conversa vai parar.  Alguns narram detalhes com dramaticidade e revolta. Somando tudo, dá até medo de voltar para casa, principalmente se a reunião for à noite.

Parafraseando Hedy Silvado esse tipo de “preocupação é como a cadeira de balanço: mantém você entretido, porém não o leva a lugar algum”. Serve para desanimar todo mundo já que o papo é corrosivo. Parece que o mal nos espreita a cada esquina. Quem valoriza demais esse assunto deixou-se contaminar e não deu conta. Não deu conta porque se fez massa e tem tempo para jogar fora; tempo que irá cobrar de si quando virem findo o seu. Compartilham desgraças dos outros como se delas estivessem isentos; sua referência está fora não dentro de si. Não percebem que o mundo vem melhorando e não piorando. Nesse sentido, a frase de São Francisco explica “Se algo rouba a paz no meu coração é porque ocupou o lugar de Deus”.

Como urubus, todos os dias emissoras de rádio e TV sobrevoam a cidade à caça de carniça. Reviram os porões da cidade, onde vive a ‘escória’ que a sociedade criou. Pinçam fatos, juntam tudo, passando impressão que o mundo está perdido. Buscam impressionar patetas que lhes bancam Ibope a fim de continuarem faturando com a mórbida curiosidade que a desgraça alheia desperta. Pior, fazem crer que a causa dos males que afligem a ‘sociedade ordeira’ tem nada a ver com injustiças praticadas há séculos pelo poder público aliado a uma elite asquerosa e aos donos do dinheiro – entre eles a grande mídia, mas à ações pontuais de marginais, especialmente pobres, pretos, favelados e desocupados. As cadeias estão repletas deles. Até metade de 2014 eram cerca de 610 mil – fora os 3.022 que a polícia matou até dezembro. Dois terços são negros. A maioria é jovem: 75% entre 18 e 34 anos. 53% têm ensino fundamental incompleto. Apenas 2% possuem curso superior. 27% respondem por tráfico de drogas. Roubo 21%. Homicídio 14% e furto 11%. A maioria sairá de lá pior que entrou. Até outubro deste ano, aqui em Piracicaba, cinco operários morreram no trabalho, e mais 4.678 acidentes aconteceram. Como rico não fica preso e almofadinha não morre no trabalho, posso concluir que há uma guerra suja contra os pobres. Essa é a verdadeira violência. Por que a TV não mostra? Só um beócio não percebe.

Ora, segundo Steven Pinker, psicólogo evolucionista da Harvard “Há boas razões para acreditar que vivemos no mundo menos violento de todos os tempos. O mundo está se tornando um lugar cada vez mais seguro para viver, e a raça humana se mostra cada vez menos violenta”. (Folha 07.04.13).

No Brasil, mesmo sabotados por estúpida elite, conseguimos alargar acesso à Educação Básica, Média, Técnica e Universitária. Criamos o SUS, que está entre os melhores sistemas de Saúde do globo. Há menos de 130 anos ricos ainda tinham escravos. Meu pai dizia que eram de pavor as noites de domingo porque na segunda muita gente era dispensada do trabalho sem nada. Não havia CLT. Avançamos nos direitos da mulher, da criança, do idoso, do deficiente; no respeito à diversidade sexual e religiosa. A miséria vem sendo combatida com sucesso e a Assistência Social de caridade virou direito. A corrupção perde espaço, gente grande está detida. A diferença social é contestada e a população está cada vez mais ciente de direitos e deveres. Ainda há muito por fazer, mas melhoramos bastante. Aí vem meia dúzia de tapados dizendo que estamos piorando? Para os que acreditam fica a advertência de Doug Barnett: “Se você não quer que o diabo o tente com fruto proibido, é melhor sair do pomar dele”.

Deixe uma resposta