MIMADOS

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Dia desses fui ver um amigo internado num hospital particular daqui da cidade. Plantão lotado e quartos também. Conseguiu vaga porque se tratava de procedimento anterior mal feito. Parece que está assim Brasil afora, tanto do lado privado quanto público. O debate em torno da SAÚDE pega fogo e políticos sempre saem queimados.  Daí que para satisfazer a população e fazer carreira quase todos investem pesado na construção de prédios – superfaturados alguns, outros deteriorados já na inauguração.

Precisam também driblar a falta de médicos, de pessoal especializado e etc. Mesmo assim, basta uma seca brava, uma bactéria ou vírus aventureiro e o esquema entra em pane. Para piorar, falas de candidatos apontam o mesmo equivocado rumo, pois se não pensam igual seus eleitores – que Saúde se faz contratando, construindo e equipando – tal mentalidade lhes interessa por trazerem visibilidade e possibilidade de apoio de empresas nas campanhas. Assim equipamentos de atendimento permanecerão lotados.

Penso que além de administração, gestores públicos deveriam saber um pouco de psicologia, sociologia, filosofia para entender que a maioria das doenças não se cura na rede porque são engendradas no perverso sistema sócio-político-econômico e cultural que criamos e pelo nosso modo de vida, nossas crenças e crendices e nossa visão de mundo, pois “fazemos nossa vida boa ou má de acordo com nosso modo de pensar, sentir e agir”. (Frei Anselmo Fracasso).

Nesse sentido, doenças oportunistas raramente acometem pessoas cientes de si, isto é de seus limites, defeitos e qualidades; pacificadas com seu passado, donas de seus atos e responsáveis pelas próprias decisões. “Se alguém não encontra a felicidade em si mesmo, é inútil que a procure noutro lugar”. (François de La Rochefoucauld). Portanto, crer que satisfação pessoal depende de bom emprego, dinheiro, sucesso, amigos, filhos, família, etc. é sintomático. “Os EUA hoje são muito mais ricos do que há 50 anos, mas o aumento na riqueza não gerou aumento mensurável na felicidade de seus habitantes”. (David Brooks do New York Times Folha. 04.04.10).

Não são poucos os que pisam valores fundamentais para galgar e manter posições e privilégios. Como “no coração estão as razões da vida”. (Rollo May), quando a voz profunda cobra no corpo a falta de coerência essas pessoas recorrem a ansiolíticos e ao imenso arsenal de drogas lícitas e ilícitas sempre à disposição de mimados, que preferem fugir de si a se encarar, se cuidar e responsabilizar-se por si, alimentando desse modo o submundo do tráfico que penaliza a sociedade inteira.

Quando a doença se externa, essas pessoas se entregam, onerando cada vez mais o sistema e penalizando os que conseguem amá-las. “Auxílio-doença do INSS subiu 85% entre 2009 e 2013 por conta do uso de drogas. ‘Perdi mulher, carro e emprego pela droga… ’ (Fernando)”. (Folha 08.09.14). “Ficar bêbado é desejo de 56% dos que frequentam baladas na cidade de São Paulo”. (idem 10.11.13).  Nesse sentido, que médico será capaz de penetrar e curar almas mais ainda de quem nem a si mesmo ouve e respeita?

Aparência, sucesso, elegância, independência, resiliência, força contam muito numa sociedade onde o revéz, a doença, o erro significam fracasso. “Quando as pessoas erram, se cobram muito por isso, causando muitos traumas e se distanciando da própria essência, que vai se perdendo ao longo da vida. A maioria dos diagnósticos de câncer tem relação com o lado emocional. (Eliana Curiacos, terapeuta. JP 27.10.13). Tem gente que sacrifica felicidades pequenas, disponíveis no dia-dia, para correr atrás das grandes, sempre fora do alcance.

“Quer pouco, terás tudo. Quer nada, serás livre”. (Fernando Pessoa).

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