O espelho

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

mirror-937737_1280

Espelho. (imagem: No longer here; por Pixabay)

Nicolau Vitório Banzato (seria italiano?), piracicabano de nascimento e, mais ainda, de sotaque. Graduou-se na ESALQ-USP em 1956, mesma turma de Ibrahim (meu irmão) e foi noivo de Sonia (minha irmã). O eco de seus erres percorria quarteirões! Lolico era seu apelido familiar e o acompanhou até a morte. Tinha muitos amigos.

Um deles, talvez seu preferido, é professor, hoje aposentado e cuida de gatos e cavalos de rua. Grande figura! João Pereira Alves Pinto, João Pereira para os íntimos e era pronunciado por Lolico com os dois erres rangendo mais que corda de navio, no porto, em noite da tempestade! O “i” desaparecia como que por encanto: João Pe(rrrrrrr)rer(rrrrrr)ra. O linguajar (cai)piracicabano é muito interessante e, pior, muito contagioso! Há um dicionário, que recomendo, denominado por seu autor, Cecílio Elias Neto, “Dicionário do Dialeto Caipiracicabano.” Delicioso!

Lolico já foi homenageado por mim ao batizar um lindo gato amarelo espantosamente caracterizado por conversar (discutir) comigo Política! Minhas primeiras crônicas foram sobre ele.

O tempo passou, todos se casaram, menos Sonia. João casou-se com Dulce Fonseca, moça prendada e muito linda, aliás, era amiga de Sonia. Tiveram dois filhos. Conheço, muito bem um deles, Paulo Sérgio, o Teté! Já pensaram que poderia, um dia, vir a ser amigo do melhor amigo de Lolico, que foi noivo de Sonia e colega de turma de Ibrahim! Isso é motivo de orgasmos múltiplos de Genealogistas. Mirtes e eu fomos Padrinhos de Teté e Débora, sobrinha de Mirtes! Tal cerimônia, no Cartório da Cidade Alta em Piracicaba. Pra variar Teté perdeu hora e chegou no Cartório com a camiseta velha que usara para dormir, aliás, com um belo buraco abaixo da axila direita. Sua mãe não sabia onde enfiar a cara! Seu João impassível!

Teté é assim, muito inteligente, apaixonado por números primos! Já pensaram? E, como toda pessoa com Espírito Matemático, “Fosfórico”, como diria Washington De Jorge! E, como todo “Fosfórico” tem momentos muito engraçados. Teté me contou dois, dia desses durante uma tarde alcoólica. Prestou Vestibular em quatro Faculdades: ITA, AFA, Politécnica e Engenharia Elétrica em Itajubá. Uma verdadeira Quadra de Azes de Faculdades de alto nível. Foi aprovado nas quatro! Escolheu o ITA, mas em pouco tempo (não se deu bem com a disciplina militar) trancou matrícula e foi para a USP na Politécnica onde se formou Engenheiro Metalurgista. Mas seu sonho era trabalhar com Cálculo, no que era excelente, indo trabalhar no Banco Francês e Brasileiro. Alguns anos depois foi para o Banco de Crédito de S. Paulo. Não trabalhava em agência, era um Executivo em Cálculos Financeiros! Quando chegou uma das crises econômicas fortes, antevendo a possibilidade de demissão, vendeu tudo que tinha e foi realizar seu sonho: ter uma Pousada no Arraial D’Ajuda! Alguns anos depois, cansado de ser pousadeiro, começou a estudar para Concursos, mais para apurar sua inteligência. Passou em vários e escolheu uma vaga no Ministério do Planejamento, onde ficou até sua aposentadoria, há alguns meses. Está morando no Arraial, outra vez, sem pousada! Ele, Débora e o mar!

Os casos se deram em Brasília. Almoçava no refeitório do Ministério. Certo dia entrou em outro restaurante, também “self service”, pegou sua bandeja e foi servir-se, havia várias pessoas na fila. Lentamente, as pessoas caminhavam recolhendo os alimentos. Diante de um prato que não conseguiu identificar, resolveu perguntar ao garçom. Levantou a cabeça olhou para o garçom e, com um sorriso, perguntou, apontando para o prato: é peixe? O garçom não respondeu! Perguntou outra vez, agora mais alto: isto é peixe? Só então percebeu que o que estava à sua frente era um espelho!

Outra vez entrou em uma livraria, em Brasília. Ele tinha um Gol preto que ganhara em sorteio de supermercado, em São Paulo. Saiu com os livros, dirigiu-se ao seu carro, cuja porta estava destravada, abriu, reclamando da sujeira que estava o interior do veiculo, foi recolhendo o lixo, sempre resmungando, e levou-o a um cesto. Percebeu que seu filho não se manifestou. Quando chegou ao Gol viu que a pessoa não era seu filho! Ué! O que será que o moleque fazia no interior de seu Carro? Era um senhor, incrédulo. Teté entendeu o acontecido, voltou ao cesto de lixo, recolheu-o, foi até o carro, distribuiu o lixo, desculpou-se, e entrou no carro ao lado e partiu! O “senhor incrédulo”, agora perplexo, não entendeu nada!

*Jairo Teixeira Mendes Abrahão, Professor Titular da ESALQ-USP, escreve de Porto Seguro, BA.

Deixe uma resposta