O Santo e o Porco

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Estava aqui no meu sossego de emérito, – bota sossego nisso! – quando abro um convite bem bonitinho de uma festa de igreja. A festa do Padroeiro. E que padroeiro! O próprio São Francisco de Assis. Também padroeiro dos animais. Pois olha o teor do convite: Parte religiosa: novena, pregação, procissão e missa solene. No dia 4, bênção dos animais. Parte social: quermesse edelicioso porco no rolete!

Isso, sim, que é teatro do absurdo e devoção canibal: no dia do Padroeiro dos animais, com a bênção dos animais, o sacrifício do porco! Que porcaria! Será que o santo não vai deixar de lado sua pacífica cordialidade e sair por aí espetando o pessoal que comete essa ignorância e bestialidade? Como, aliás, fez a Prefeitura: no dia seguinte à festa da Árvore saiu de serra em punho pondo abaixo as coitadas ainda vicejantes e saudáveis. Contradição mais que evidente entre a festa e prática cotidiana.

Eu, aliás, não tenho muita gula por carne de porco. Como filósofo, sigo o aforismo de Feuerbah: “somos aquilo que comemos.” Por isso, todo cuidado é pouco. Além disso, a cena do porco rodando cruelmente no rolete, com aparência de vivo, parece cenário de troglodita. É um espetáculo grotesco. O devorar das carnes não sugere nada de romântico. Que São Francisco imite o seu Mestre e rogue:  Pai perdoai porque não sabem o que fazem.”

Mas, o dia dos animais, com o seu Padroeiro São Francisco, nos sugere comportamentos bem diferentes por parte dos animais. Por exemplo: Abro o jornal de hoje e deparo com duas noticias fascinantes: “cachorro salva garota perdida há 11 dias.” No mesmo jornal:  “um leão filhote levou guardas de um parque florestal até o cadáver de sua mãe”. A menina Karina, de 3 anos, saiu de casa com o seu cachorro e acabou se perdendo no mato. Depois de 11 dias ela foi encontrada graças ao animal de estimação que, 9 dias depois do desaparecimento, voltou para a casa da família e guiou as equipes de resgate até onde estava a menina.

Quem convive com animais domésticos- cachorro, gato, macaco, papagaio, calopisita – já passou por experiências que o levam a dizer: “Ele (a) só falta falar:” Acontece que eles, de fato, “falam”. Apenas usam um código diferente do nosso que, para um bom entendedor humano, é até fácil de decifrar. Eles “falam” pelo olhar, pelo jeito de chamar e mostrar o que está acontecendo, pela preocupação escancarada nos olhos, quando veem o dono preparar as malas, quando percebem que você está preocupado, angustiado ou doente. Eles têm sentimentos e inteligência. Não é mero instinto. O instinto é mecânico, oferece sempre a mesma reação. A inteligência é criativa, responde a desafios diferentes a cada situação. Em tudo eles são “humanos”. E como “humanos” eles têm seus direitos tão sagrados como os nossos. Pode-se afirmar que quem não respeita os animais, encontra dificuldades em respeitar os direitos dos homens também. Assim fala São Francisco. Se assim não falou, devia ter falado!

Pe. Otto Dana – Diocese de Piracica

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