Paixão

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O mundo não gosta dos apaixonados. Eles incomodam, quebram padrões e regras incorporadas. Estamos na Semana Santa. A Paixão de Jesus emociona e perturba. Porém, não é esse o foco; muita gente sofreu como Ele. Seu sofrimento é conseqüência de algo mais profundo e perturbador. Ele foi fiel a uma idéia; não voltou atrás mesmo diante da morte.

Dizem que Jesus nos salvou. Como assim se ‘sua’ Igreja tem mais pecadores que santos e nós todos continuamos materialistas, egoístas, racistas, e de um momento para outro podemos fazer coisas para lamentar vida afora? Jesus não veio nos salvar. Veio mostrar o quanto Deus nos ama. Salvação é crer nisso e corresponder. Tarefa nossa, portanto. Saber-se amado faz a vida transbordar de sentido. “A pessoa fica forte quando está segura de ser amada”. (Sigmund Freud). Existe coisa pior que a indiferença?

Jesus foi coerente até o fim, e por isso foi morto. Envolveu-se de tal forma na luta pela fraternidade que a cruz começou a despontar-lhe no horizonte. Quem assume tal postura na vida já sentiu o que é isso, porque fraternidade pressupõe justiça e justiça não se faz com diferença social. Ele tremeu, chorou e teve medo, contudo, sabia que não lhe restava alternativa senão selar com sangue sua mensagem. Alertou os amigos e até começou a se familiarizar com a morte.

Resoluto, toma o caminho de Jerusalém, a capital religiosa e política da nação, o centro do poder donde vinha toda a opressão. Lá Estado e religião se promiscuíam a fim de que os interesses das elites – sempre elas – fossem garantidos. Transformaram Deus em fantoche e a Casa do Pai num covil de ladrões. Lá vai ser o embate final. Seus discípulos tentam impedi-lo. Ele os rejeita. Nada o tira de seu objetivo.

A massa esperava um salvador da pátria – um Moro judeu. Jesus sabe que não é por aí, porque uma nação só será adulta e terá paz quando cada um vir no outro seu irmão, quando ninguém mais for excluído e os privilégios banidos. Inevitável é o confronto. Sua proposta é rejeitada. Massa não crê, tem pressa; é imediatista. Escolhe Barrabás – o caminho do ódio. Seu rei é Cesar, o homem da espada.  A Jesus só restou a cruz. Porém, fez dela seu trono, donde rodeado por uma ou outra pessoa que nele acreditou, promulgou o reinado do amor, o único sistema realmente sustentável. A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra principal. Aos que acreditaram deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. E são eles que sustentam o mundo, porque nas mãos dos filhos das trevas tudo já teria virado cinzas, como virou a Jerusalém que o crucificou.

Ele venceu. Está ressuscitado no coração e na vida dos seus seguidores, que são poucos mesmo com igrejas cheias, porque rezar, fazer caridade ou seguir uma religião não significa ser seu discípulo. Seus seguidores são os que fazem novas todas as coisas, se envolvem nos problemas do mundo, e como sal tudo fazem para que a vida insípida dos que acreditaram no imediatismo adquira sabor. “Participam de tudo como cidadãos, mas suportam todos os encargos como estrangeiros. Toda terra estrangeira é para eles uma pátria e toda pátria é terra estrangeira. Eles se casam como todo mundo; têm filhos, mas não os abandonam. São feitos de carne, mas não vivem segundo a carne. Passam a vida na Terra, mas são cidadãos do céu. Obedecem as leis vigentes, mas vão além delas. Não têm nada, mas possuem tudo. O que a alma é no corpo, os cristãos são no mundo. A alma mora no corpo, mas não é de modo algum do corpo. Assim são os cristãos, que vivem no mundo, mas não fazem parte dele”. (Fragmentos de texto anônimo, escrito por volta do ano 200, em Alexandria. Extraído da revista “História” nº 17 Pg. 42).

Feliz Páscoa!

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