Patos, um cabra e o butador d´ água

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     Conheço em João Pessoa, onde atualmente cai mesmo parte da nossa antiga chuva de modo alegre e produtivo, deixando-nos aqui mal e secos, alguém proseador, de conversa agradável e que é mais correto chamar de “senhor” do que de “cabra” visse, menino? Tal senhor nasceu em Patos lá na Paraíba, há mais de sessenta anos.       

      Conquanto aquela cidade, de atualmente cem mil habitantes seja considerada a “capital” do sertão paraibano, é um local distante trezentos quilômetros da agradável João Pessoa, aridez adentro, incrustada entre altas montanhas pedregosas, num local quentíssimo, o qual lembra um caldeirão segundo ele. Hoje em dia, nós do sudeste até podemos imaginar este caldeirão…

      Isso nos conta o senhor, que se chama Irio. Tem ele um irmão cheio de amor pela cidade de Patos, onde só temporariamente surgem pequenos rios; o Jatobá é um deles. Mas creio que todos amemos nossas terras natais de modo geral, nem que elas estejam no deserto de Gobi, na Mongólia.

    O fato é que o senhor Irio, que ascendeu socialmente bastante na sua vida, diz-nos que até os dez anos de idade andava descalço:

     – Tinha as solas dos pés tão grossas, que se pisasse um caco de vidro quebraria o mesmo, sem cortar o pé!

      Quanto à sua grande ambição em criança era tornar-se um “butador d´ água”. Esse tipo de pessoa é um comerciante que, com a carroça puxada pelos coitados dos valentes jegues, cheia de tonéis com água, vendia ou ainda vende a mesma pelos vilarejos ressequidos. O senhor Irio, com tino para negócios, sabia desde menino sem que ninguém lhe tivesse dito, que aquilo se tratava do “ouro azul”, bem preciosíssimo e essencial.

    Desistiu do sonho da promissora profissão por causa de um acidente. Certa vez, butando água não sei onde, como auxiliar, ao atravessar pequena ponte de um rio seco, na volta, caiu e a carroça lhe passou por cima das pernas. Ele ficou ferido mas não muito. Daí pensou que se os barris estivessem cheios seria esmagado pelo peso do veículo; menos mal que estavam vazios! Então desistiu.

    Acabou depois, ainda não sei por quais desvios, curvas ou atalhos, estudando, trabalhando, conseguindo o cargo de caixa de um banco.     Amealhou dinheiro, conforto, uma família bonita e status de classe média. Aposentado agora, vive feliz no verdor da capital, junto à brisa do mar, usando sapatos e chinelos. Longe vão os tempos em que planejava ser um butador d´ água. Hoje observa a chuva que cai benéfica e extemporaneamente em João Pessoa. Já expliquei: chuva esta que seria toda “nossa”.

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