Perigoso

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Pouco me importa se Jesus era casado, solteiro, teve irmãos e se é Filho de Deus. O que me importa é o que falou e fez. Sabemos pouco dele, e do que saiu de sua boca restam fragmentos. Registros históricos oficialmente reconhecidos de sua existência não há. Os Evangelhos não são biografias, mas construções teológicas e reflexões produzidas pelas primeiras comunidades que se formaram a partir de suas idéias.

Porém, o pouco que se sabe basta para compreender seu sonho. Pelo menos para mim, quando vejo o mundo do jeito que vive, consigo entender um tanto do que ele queria. Quanto mais me aprofundo no conhecimento de sua mensagem, mais inquieto me sinto pelo tanto que há por fazer. Interessante que ele nada escreveu; manteve-se nos limites do próprio país; não era filósofo, guru e nem fazia parte do clero de seu tempo; era leigo. Não mandou erguer templos; não fez campanhas para ajudar pobres; não liderou movimentos de massa e nem mandou derrubar governantes, embora condenasse a opressão vinda dos que mandam.

Desde criança sei dele porque em casa tinha lugar privilegiado. Mas, foi na juventude, frequentando o Movimento Jovem que me apaixonei pelo seu jeito arrojado de ser e de ver o mundo. Da lá pra cá nunca mais tive sossego. É brasa no peito. Carrego em mim a angústia da recusa porque apesar de ele ter resposta para todos os problemas que a Humanidade inventou, ela o rejeita. Quebrei a cara vezes muitas tentando mostrar isso. Perdi empregos, cargos; ganhei isolamento e virei território minado; mas também profundas alegrias e paz de verdade. E até hoje nada me faltou.

Tenho certeza absoluta de que se não for do jeito dele nada vai dar certo. Experimentei isso na vida e basta ler os fatos. Todas as vezes que julguei os outros fui mesquinho e ególatra me dei mal. Sempre que ‘perdi’ a vez para os outros, ocupei o último lugar, me fiz disponível, encarei o medo, coloquei o que penso sem deixar de ser complacente com as manias e erros dos outros me dei bem. Encontrei sementes de sua palavra espalhadas pelos caminhos onde andei e entendi quando disse que o Reino de Deus está entre nós. Aliás, mais que nas igrejas senti sua presença, melhor ainda no meio do povo simples, especialmente entre crianças. Fantástica a cena em que ele repreende quem as afugenta. Só grandes sábios ‘perdem’ tempo com crianças.   

Igrejeiros de seu tempo – proxenetas do Estado – afirmavam que riqueza indicava predileção de Deus. Já, doentes, pobres e excluídos era gente pagando pecado. E o povo acreditava nisso porque não tinha acesso à instrução. Imagino a raiva ele que sentiu para virar de pernas pro ar as bancas de negociantes do culto. Teve compaixão e acolheu ladrões, prostitutas, pecadores públicos, estrangeiros, gente sem religião, doentes e até odiados cobradores de impostos. Mas esfregou o dedo na cara dos que oprimiam o povo e distorciam o projeto de Deus. Não teve dó dessa gente. 

Viveu no meio do povo e sentiu sua dor. Ninguém nasceu para ser indigente, doente, morar em favelas, ser analfabeto, trabalhar por um salário mínimo e viver da compaixão dos outros. Isso o enchia de indignação, pois era uma afronta ao Criador. Os males que flagelam o mundo vêm do coração, apontou. Se não mudarmos nosso modo de pensar, pereceremos todos, disse. Sugeriu que cada um tome sua cruz e o siga. Tomar a cruz é tomar ciência de si próprio e segui-lo no caminho da perfeição, até percebermos que a vida só adquire sentido quando se bota a cara para quebrar.

 

Arrumou encrenca com o poder. Sabia que ia morrer. O pavor foi tanto que seus capilares explodiram. Procurou apoio entre os amigos, mas encontrou-os dormindo; até hoje. Transformaram-no em juiz que julga e condena, afinal medo causa submissão. Fizeram-nos Deus para ser invocado, adorado, louvado e ser usado segundo seus interesses. Menos segui-lo e fazer o que fez. É muito perigoso. 

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