Quero mais saúde. Me cansei de escutar opiniões

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Cercada de romantismo, a cidade argentina de Esperanza pertence à província de Santa Fé, localizada às margens do rio de mesmo nome. Com paisagens naturais belíssimas, atrai fotógrafos interessados em aprimorar seus cliques. Assim, matriculada em um curso de fotografia com duração de dois anos, para lá seguiu a piracicabana editora de imagens Bianca Santucci Ribeiro, em 2009. Conheceu o colega de turma argentino Guillermo e por ele se apaixonou. Juntos, abriram um estúdio de fotografia. A vida do casal mudaria completamente quando Bianca anunciasse sua gravidez.

Na infância, em Piracicaba, no bairro Vila Independência, cresceu brincando descalça nas ruas, escutando música nos discos de vinil e nos CDs, tocando violão ou assistindo aos shows do pai com a banda Os Cara Velho e dizendo que nunca fumaria. Não gostava do cheiro dos cigarros do pai, da avó e de Camila, a irmã mais velha. A promessa durou pouco. Aos 15 anos, ela e o irmão tornaram-se fumantes.

Demorou até o terceiro mês de gestação para conseguir parar completamente com os cigarros — sentia muita dificuldade. Lembrou-se quando Camila, também fumante, parara os cigarros apenas durante as seis gestações que tivera. Estas, tristemente, resultaram em quatro abortos espontâneos. Após a surpresa, no quinto mês, de que teria gêmeos, Bianca sentiu medo e insegurança. O casal resolveu buscar auxílio especializado para o parto de risco no Brasil e, assim, vieram a Piracicaba morar na casa da avó de Bianca, idosa e com demência avançada. Os percalços acirraram-se ao realizar um ultrassom obstétrico no 7º mês: só havia um bebê — uma menina. O outro feto morrera e calcificara-se dentro do útero.

A gestação gemelar ocorre em 1,5% das mulheres grávidas. Considerada de risco, pode resultar na morte fetal intrauterina. Entre 0,5% e 6,8% dos casos, pode ocorrer o óbito de apenas um dos bebês. Essa condição sempre se apresenta como um desafio para os obstetras, pois existe o risco de complicações para o feto saudável, agravadas, sobremaneira, pelo consumo de cigarros. A literatura médica lista os males causados pelas substâncias tóxicas do cigarro: placenta prévia, aborto espontâneo, parto prematuro, bebês com baixo peso e elevação da mortalidade fetal.

Além da dor e da frustração de perder um dos filhos, Bianca vivia mal com o companheiro. Sem trabalho e em repouso, passava a maior parte do tempo sozinha, em casa. Não havia conversa, nem atenção, somente críticas. Ele a culpava pela situação em que se encontravam e pelo seu corpo, deformado pela gravidez. Guillermo mantinha a casa, mas não lhe dava dinheiro. Ao sair, todos os dias, pela manhã, deixava, sobre a mesa, apenas dois cigarros.

Dentre as muitas formas de violência doméstica,  o abuso emocional talvez seja o mais difícil de se reconhecer e, por isso,  pode passar despercebido pelos familiares, pelos amigos e até pelas próprias vítimas. A OMS — Organização Mundial da Saúde — define, como violência psicológica ou moral, toda forma de rejeição,  de depreciação,  de discriminação,  de desrespeito, de cobrança exagerada e de punições humilhantes.

Bianca, finalmente, pediu a separação e, aos poucos, reergueu-se. Sob a porta da casa, o panfleto com o convite da academia de muay thai Strong Bones. Chamou a amiga Natália e, juntas, passaram a exercitar-se assiduamente. Animou-se, embebida pela endorfina liberada pela prática da atividade física, a inscrever-se no concurso da prefeitura para escriturária. Com o emprego formal, veio a estabilidade, tão almejada. Envolvida com o esporte e com a cultura — Bianca hoje trabalha na SELAM — Secretaria Municipal de Esportes de Piracicaba —, pôde dizer, parafraseando Rita Lee na música “Saúde”: “me cansei de escutar opiniões. Eu sei que agora eu vou é cuidar mais de mim”. Foi assim, ouvindo a rádio Educativa e vendo os vídeos no Youtube que Bianca descobriu as Paradas pro Sucesso e, com o apoio da mãe-madrinha Eloíse, marcou, em novembro de 2021, consulta para tratar o tabagismo comigo. Durante a primeira tentativa, teve vários lapsos — numa festa de casamento; durante viagem de final de ano; no velório da avó até recair e voltar a consumir dez cigarros diários.

Determinada a se ver livre das mazelas do tabaco, Bianca retomou o tratamento no início de 2023. Desta vez exitosa, só assim conseguiu a liberação para um grande tratamento odontológico — correção da gengivite e da periodontite, causadas pelos 23 anos de consumo de cigarro que reduziu o fluxo de sangue e de nutrientes para a boca. Realizaria o enxerto de gengiva na mesma tarde em que ela me concedeu esta entrevista.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

*Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.

 

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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