Tanto lá como cá

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Li na imprensa que a frota de veículos cresce 15 mil unidades por ano em Piracicaba, e a administração pública está preocupada em dar conta da demanda. Ora, andar de carro na cidade deveria ser concessão, não direito; direito é transporte público, e de qualidade.

Quem se dá o luxo de usar automóvel – 70% deles levam uma só pessoa – que arque com os engarrafamentos, multas, acidentes, estacionamento, etc. Obrigação do setor público é investir no transporte coletivo muito antes do individual. Quem tem que se locomover é a pessoa, não o carro. Além disso, “uso de carro aumenta incidência de obesidade, câncer e diabetes. O número de doenças e de mortes pode ser reduzido numa cidade que adota um sistema de transportes baseado em corredores de ônibus de alta eficiência”. (Carlos Dora Coordenado do Departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente da OMS – Folha 19.08.13). Logo, com menos carros ganhamos mais saúde.

Nos países evoluídos operários e patrões andam de ônibus. Piracicabano é tão ‘adiantado’ que acha busão coisa de pobre. O privilégio concedido aos carros tornou-se insustentável. Nos EUA apesar das estradas gigantescas, o trânsito piora a cada ano. “Não é possível construir vias no ritmo em que os novos carros são vendidos. Por isso, é muito importante que exista uma política pública de investimento no transporte coletivo”. (Diógenes C. Costa, professor de Transporte da UNICAMP. JP 14.06.11).

“Devemos pensar em cidades para os mais vulneráveis. Para as crianças, os idosos, os que se movimentam em cadeiras de rodas, para os mais pobres. Se a cidade for boa para eles, será também para os demais”. (Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá Folha S. Paulo 24.06.12). Tivemos aqui um prefeito tão ‘avançado’ que fez justamente o contrário. Pior foi o povo, que o apoiou maciçamente.

Nossos terminais de ônibus urbanos, por exemplo, estão mais para entreposto de gado que local de embarque de gente. São hostis, poluídos, mal cuidados e desconfortáveis. Por lá passam diariamente milhares de pessoas; sem elas a cidade não funcionaria, mesmo tendo um bilhão de orçamento. No entanto, apesar de estarem mais certas que as que usam carro, são tratadas como classe inferior pelos políticos, que antes das eleições invadem esses mesmos locais vendendo mentiras.

A praça adjacente ao terminal central é desoladora e o visual deprimente. Nos dias de calor parece o Saara. Poderia estar cheia de arbustos floridos; mais árvores e mais sombra; informações e atrativos históricos, culturais e artísticos; espaços para leitura, um parlatório, museu e até cinema. Aquela praça ao lado do terminal da Paulicéia, então é o fim da picada; insossa, insípida e inodora como o prefeito que a fez.

Como uma coisa puxa outra, vi reportagem na TV mostrando o sofrimento de quem depende do metrô em São Paulo. Impossível alguém chegar ao serviço ou voltar pra casa com um pouco que seja de disposição e bom humor. Nem boi é transportado daquele jeito. Trata-se de uma afronta à dignidade humana. Isso sim é vandalismo, e dos mais perversos porque destrói o maior patrimônio de uma nação: o seu povo.

Daí vem o governo do Estado querendo gastar uma fortuna na construção da barragem de Santa Maira da Serra para transportar grãos; a preços mais baratos, dizem. Baratear na linguagem neoliberal significa sobrar mais para empresários, nunca para a população.

Por que não pensam primeiro na melhoria do transporte de quem dia ou noite; frio ou calor; são ou doente faz este Estado crescer? Acontece que, tanto lá como cá, valorizar quem detém riqueza e punir quem a produz é próprio de tucano.

Deixe uma resposta