Neidona do Bastião

Quem viu Neidona dançá e sambá em cordão de Carnavar, quem viu Neidona cos requebro dela, co suor correndo e iscorrendo na carne preta. Quem viu as coxa de Neidona tremendo, os balagandã dela balançando, o busanfã de Neidona se rebolando – nego que viu tudo isso de Neidona pode batê as bota e morrê. Pois viu tudo o que, no mundo, tinha de mais bunito de se vê.

Teve um dia em que, despoi que a festa acabô e fumo tudo festejá no salão do Bidito – lá, onde o estatuto da gafiera era mais sério do que em crube de chiquê – teve um dia em que jurei: eu iria escrevê um poema, romance, conto, num sei que caraio de coisa que eu ia escrevê, mai jurei que ia escrevê uma coisa de amor por Neidona, e pra um dos amor dela, o Bastião Topete. Era um tempo bão demais e, nos cinema da cidade – tamém no pulero do Zelão – nói tudo já tinha assistido uma fita que fascinô tudo nói: chamava “Orfeu do Carnavar”. Juro por Deu que, naquele firme, eu vi Neidona e Bastião Topete, o rei e a rainha da negritude, a cidade se ajoeiando aos pé deles, batendo parma como se fosse, os doi, rei e rainha. E era.

Neidona morava no coração de tudo nói. Nela, acontecia história de fada, de conto da carochinha, milagre de São João, responso de Sant´Antantonho, bem-aventurança de São Binidito. Neidona, cuzinhera de mão cheia, trabaiô de doméstica, tamém na Prefeitura, sacacoteô e pintô o sete. Muié humirde mai bunita como deusa de ébano, Neidona vistia vistido de chita, carçava paragata nos pé, era pobrezinha quase tudo os dia do ano. E, então, virava rainha de Carnavar, rainha como nunca se viu otra iguar. Dava gosto de vê, o fôlego fartava no purmão de quem via, o coração batia mais forte, dava aquela coisa na barriga que num tinha jeito de segurá, diz-se que o nome é desejo.  Neidona dava desejo, despertava desejo, muié fêmea que parecia estauta de carne, negrume luzidio, suor iscorrendo como se fosse lágrima da Lua, suor cor de prata.

Neidona dançava, Neidona sorria, Neidona mexia os redondo dos quadril, jogava os peito pra frente, trazia os peito pra trais, rodava, mostrava o que ela guardava e rodopiava como se dissesse: “é só pra vê, num é pra tê.”. Quem viu podia morrê. Os tambor tocava, tocava cuíca e tamborim, as rua ia se abrindo, o povo sabia: era Neidona do Jaraguá, Neidona da Paulicéia, Neidona do Império Serrano, chegando para alumiá as rua e dá inveja nas branquela que num sabia se arrebolá. Branquela só arrebolô, quando apareceu a Célia Regina do Cícero, agora Signorelli, rainha branca da Zoom-Zoom. Mai Célia aprendeu cum quem? Cum Neidona que, para se adverti cum a muierada branca, mandava que elas, pra sairem no cordão, pintasse a cara com graxa, que passassem tinta no rosto. Elas passava, quereno mitá Neidona. Mai quar! Iguar Neidona nunva houve iguar. E nunca mai há de havê.

Eu sube esses dia que Neidona também morreu. Quem vai sobrá, de um tempo feito de alegria, de magia de vivê? Neidona tá sambando no céu, fazendo ciúme pro Bastião Topete, um de seus amor maior, o Bastião que se despediu da vida nos braço dela, Neidona cuidando dele como se fosse nenê. Quando Bastião morreu, Neidona deve tê dançado no túmulo dele, chorano e cantano: “Amanhã, vai sê outro dia…” E deve tá seno.

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