Tesouro do anonimato

Uma das minhas muitas e tristes ansiedades está na compreensão de que não terei tempo para ler e estudar tudo o que ainda desejo. A vontade de saber, de conhecer é pior do que a gula e a luxúria. Estas são, pelo menos em alguns momentos, saciadas. A busca do conhecer, do entender é permanente e contínua. Fica viva até durante o sono. É, quando, talvez, se transforma em sonho.

O mito do Éden narra que Eva e Adão perderam a inocência por terem comido o fruto da árvore do conhecimento. E foi em Leonardo Boff que encontrei uma explicação etimologia para a palavra inocente. Trata-se, segundo ele, do “in-ciente”, o sem conhecimento, sem ciência. Logo, o homem original. Simples, em harmonia com toda a natureza. Seria, talvez, como o “beau sauvage” de Rousseau, que, nascido em estado de graça, é corrompido pela sociedade. No Éden, Eva e Adão foram corrompidos pela vontade de saber.

Portanto, esse desejo de conhecer – se tem lá suas vantagens – não passa, também, de um castigo. Pois nunca o homem saberá plenamente. Não conhecerá nem mesmo o mínimo de algo essencial. Será, então, sábio se souber que nada sabe. Os tolos é que não sabem que não sabem. Vai daí, vivem a estupidez e o ridículo de pensar que sabem. Mais do que perigoso, viver é divertido.

Há mais de 45 anos, venho mergulhando – por conta própria e em estudos formais – no universo fascinante das humanidades. E lá me vou eu enredando na filosofia, na história, na mitologia, na ciência das religiões, na teologia, nas religiões comparadas, no folclore, na sociologia, nessa maldição de “uma coisa puxar a outra”. E a ansiedade aumenta. Quanto mais se lê e se estuda, menos se entende que nada sabe. Chega a ser humilhante. E, de minha parte, é isso que me acontece: antes de me tornar humilde, sinto-me humilhado. Para, então, alimentar o orgulho, volto a ler e a estudar mais. E o que aprendo desanima.

Nesses mergulhos intelectuais, descobri que os chamados livros sagrados são, mais do que santos, livros de sabedoria. E não consigo entender como foi possível, há milhares de anos, nossos ancestrais terem descoberto o núcleo principal do ser humano. Estão lá – na Antigo Testamento, nos Evangelhos, no Alcorão, na Torá, nos upanishads, na oralidade dos povos primitivos, nos celtas, nos hindus, nos vedas – toda a arte de viver, de conviver, tesouros humanos imemoriais que se revelam, com toda a clareza, também atemporais. Servem para sempre.

O suicídio galopante do mundo ocidental capitalista – que se diz civilização ocidental cristã – esqueceu-se de tudo isso. Mais do que loucura, é idiotice. O mercantilismo sacrificou o sagrado ao profano. E tornou o profano sagrado. Misturou-se o imisturável. E poucos homens, hoje, sabem para onde ir, onde estão, qual o destino, quais as escolhas. A não ser a festa, nada mais existe. E ela custa dinheiro. Então, para festar sem saber porque, endivida-se. Endividado, trabalha mais. Para voltar a festar e a endividar-se. O hospício, pois, está aqui fora.

Penso nisso por uma rápida olhada num programa de tevê em que as tais celebridades se lamentam de se terem tornado celebridades. Tudo fizeram para ser conhecidas, aplaudidas, admiradas sob a luz dos holofotes. E, agora, lamentam-se, com saudade amarga do anonimato. Algumas delas, mais sábias ou mais cansadas, saem dos palcos, como aconteceu com Greta Garbo que deixou de ser estrela para se assumir como grão de areia.

“Vanitas vanitatum, et omnia vanitas” , está lá no Eclesiastes, um dos mais sábios dos ditos livros sagrados. “Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade” – e que vale isso? Essa conclusão nos vem da cultura mesopotâmica e tem sido reafirmada através dos tempos, dos milênios, dos séculos. Parece, porém, que inutilmente. Pois – quando multidões se expõem em redes sociais, no Facebook, querendo ser conhecidas e vistas, buscando novas relações – as estrelas e os astros, as tais celebridades, anseiam pelo anonimato. É um tesouro de valor incalculável: ser anônimo no meio da multidão. E viver em sua caverna, com poucos amigos, com a famílias, mulher,marido, fillhos. E parentes, de vez em quando. Bom dia.

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