Lá, como cá…

Faz-se jornalismo próximo, faz-se jornalismo a distância. Isso, conforme a conveniência de quem o faz. Pois é muito mais conveniente e cômodo, por exemplo, analisar e criticar a administração de Barack Obama, nos Estados Unidos, do que a de Lula no Brasil. E em nível descendente: a um jornalista paulistano, é mais fácil analisar a de Lula do que a de José Serra ou de Kassab; a um jornalista do interior, mais fácil analisar e criticar a de Serra e Kassab do que mergulhar a fundo nos problemas de sua terra. Pois o prefeito e o vereador podem ser encontrados na próxima esquina, enquanto os demais, mal sabem da existência de um jornalismo interiorano.

Os protestos escandalosos e furibundos da imprensa em geral em relação à censura prévia do Estadão, autorizada judicialmente e a pedido do filho de José Sarney, seriam merecedores de aplauso se fossem válidos para a censura em geral e em relação a todos os veículos. Ocorre, porém, que sempre houve um silêncio profundo quando, em Piracicaba por exemplo, o tucanato de Thame e Barjas exigiram e conseguiram a censura a jornais. E isso aconteceu já há alguns anos: Thame, pedindo a censura dos jornais Tribuna Piracicabana e o extinto O Democrata; Barjas, conseguindo a censura ao Jornal de Piracicaba, para que este não publicasse comentários políticos deste que mal-escreve as atuais linhas. João Herrmann Neto já conseguira, também, a censura da Tribuna Piracicabana. A grande imprensa calou-se, as associações de jornais silenciaram, até o sindicato dos jornalistas ficou quietinho em seu canto.

A questão toda está, desgraçadamente, no uso doentio e alucinado do poder. As cidades interioranas, Piracicaba incluída, são microcosmos do Brasil. A sujeira de Brasília acontece também no interior, nas adequadas proporções. A corrupção é a mesma, variando de nível e de extensão. Os acertos políticos, negociações, acordos assustadores em sua dimensão ética, repetem-se às escuras. Processos municipais, contra políticos também municipais, são postos em segrego e sigilo de Justiça, mesmo quando se trate de malversação dos cofres públicos, negociatas, desvios e abusos. Quem sabe, por exemplo, o que aconteceu com os escandalosos processos que envolveram a administração Thame/Humberto, com participação de Barjas e de grande parte do tucanato?

Mesmo em São Paulo e em relação à chamada grande imprensa, há um verdadeiro furor fiscalizante – e merecedor de aplauso – em relação ao governo de Lula, quanto à atuação de José Sarney e de senadores que o apóiam. Mas é melancólico o silêncio que se faz em relação à administração de José Serra, diante de escândalos ocorridos no governo paulista ao tempo de Geraldo Alckmin e mesmo, em Brasília, face aos delitos e envolvimentos de senadores que estão na oposição. Ora, que moral tem um Artur Virgílio, réu confesso de corrupção, para denunciar quem quer que seja?

A imprensa está preocupada, conforme se vê e ouve em debates na televisão, com a indiferença da população quanto à sua liberdade e à sua atuação. Ocorre que o leitor não é idiota, especialmente num tempo de tal diversidade de meios de informação e de comunicação. O leitor percebe, vê, enxerga e sente. Também o leitor das cidades interioranas, também o leitor de Piracicaba que se pergunta: por que a imprensa local não fiscaliza a administração municipal e a Câmara com a mesma atenção que dá ao que ocorre em Brasília? Por que se tem tanta certeza de irregularidades em relação a empreiteiras que prestam serviços nacionais e nenhuma atenção se dá ao que ocorre debaixo dos narizes jornalísticos caipiras?

O monte de esterco político apenas difere em tamanho. Lá, como cá, moscas também há. Mas é mais fácil e cômodo, menos arriscado e menos responsável, fazer jornalismo a distância. E bom dia.

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