Sem destino

pictureDe quando em quando, alguém me diz ver-me como pessimista. Ora, se por eu não acreditar – como o Cândido, de Voltaire – que “vivemos no melhor dos mundos”, então, o sou. Mas, necessariamente, pessimismo não é o oposto de otimismo. E pouco, hoje, se me dão pessimismo ou otimismo, esperança ou desesperança. Estou é com receios. Muitos.

Se vivêssemos “no melhor dos mundos”, as pessoas não estariam enjauladas em suas casas, medrosas de sair às ruas, desconfiadas umas das outras. E é sabido que as coisas, quando não melhoram, pioram; quando não avançam, regridem. A inércia já é uma regressão. Veja-se a sujeira: quando não se limpa, acumula-se. Até o amor exige cuidados. Quem não cuida perde.

Por estarmos retornando a tempos de barbárie e de barbaria, acho que os receios procedem. Temos antecedentes impressionantes. As cidades do Brasil colonial eram uma sujeira só. Rugendas registrou-o em telas memoráveis: poças d´água fétidas, restos de comida no chão, misturados a dejetos de animais, escravos esvaziando urinóis pelas janelas.

Há uma descrição breve, brevíssima, mas significativa de um sofrido passeio do Marquês de Lavradio pelo Rio de Janeiro: “As ruas eram esgotos a céu aberto. Animais domésticos aliviavam-se às portas das casas e tonéis de dejetos eram despejados pelos escravos onde fosse mais fácil.” Ambulantes, mascates e negociantes misturavam-se entre gritos e ao som de carros de boi que carregavam capim.

Na Rua Governador, em Piracicaba, ainda hoje, há carroças disputando espaço com automóveis, ambulantes gritando, cavalos que trotam e, sem cerimônia, sujam as ruas, cães e cadelas no cio, mascates, alto-falantes que lembram mafuás. Faltam, ainda, serviçais despejando urinóis nas calçadas. Mas podemos chegar lá, pois, quando não melhoram, as coisas sempre pioram. E, quando não se limpa, suja-se mais. E ainda: quando não se refina, vulgariza-se.

Lembro-me da Rua Governador, alma e coração comerciais de Piracicaba. Passeava-se por suas calçadas como se a rua fosse a nossa Barão de Itapetininga, a de antigamente. Na Barão, havia casas de chá, locais de encontro, lojas finas. O simples passear bastava para encantar os olhos e alegrar o coração. Fazia-se o “footing” mesmo durante o dia, indo-se de lá para cá, de cá para lá. Na nossa Governador, fazia-se o “footing” também, íamos à Padaria Inca, víamos vitrinas refinadas, os donos das casas ficavam às portas, cumprimentando os passantes, gentis. Cada cidade interiorana tinha a Barão de Itapetininga que merecia. A Rua Governador era a nossa. Era.

Hoje, há, por esses brasis, ruas muito parecidas à nossa Governador. E a Governador, nossa, se fez muito parecidas com elas. Não se teria tornado uma 25 de Março em miniatura? Em Fortaleza, há a famosa Monsenhor Tabosa, rua de comércio intenso, com mascates, barraquinhas, um formidável mafuá. Outra, também muito parecida, é a Rua da Alfândega, no centro do Rio de Janeiro, a rua dos ambulantes, das vendas sem notas fiscais, dos produtos paraguaios, de contrabandos realmente espetaculares.

Como não entendo mais nada, não sei mais o que é atual ou desatualizado, agradável ou desagradável, bonito ou feio. Por isso, não consigo prever o que a Prefeitura e comerciantes esteja pretendendo para a nossa Rua Governador: que volte a ser uma Barão de Itapetininga ou que se torne uma Monsenhor Tabosa? Pelo jeito, está, apenas, sem destino. Bom dia.

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