9 de julho e Lagreca.

Contei, há uns cinco anos, a pergunta que me fez uma jovem repórter. Entrevistando-me sobre a revolução paulista de 1932, indagou-me: “O senhor também foi combatente?” Pensei estivesse, ela, brincando. Não estava. Tentei, então, mostrar-lhe a impossibilidade de eu ter participado sequer da batalha de Itararé, a que não houve. Pois eu nascera em 1940. Mas ela não se importou com o detalhe, o que é um detalhe? No entanto, como a moça insistisse em ver-me como um combatente de 1932, expliquei-lhe o equívoco que ela cometia, a confusão. Pois soldado, eu o fora da Guerra do Paraguai. E – “voluntário da Pátria” – condecorado não me lembro se por D.Pedro II, se pelo Duque de Caxias. A moça anotou em seu caderninho. Tim-tim por tim-tim. E não era loura.

Isso me provava, em síntese, o quanto falhamos na transmissão de heranças e de valores às novas gerações. Que, talvez, nem saibam mais o porquê do feriado de “9 de Julho”. Confesso que eu próprio me encabulo ao escrever a respeito. Foi um grande feriado, vibrante, ativo e reativo. Depois, deixou de ser. E voltou a ser. Dependendo de outras idas e vindas, talvez retorne a um dia comum. Tão pouco se sabe do “9 de Julho”, que, dele, se pode dizer tratar-se de uma data “que é sem nunca ter sido.” Sendo feriado e caindo numa segunda-feira, o seu significado de que importa? Ora, se nem Tiradentes é levado a sério, por que o seria a revolução constitucionalista de 1932? Aliás, o que é isso mesmo? Afinal de contas, essa tal revolução é de 1932 ou de 1964?

Quando meninos, ouvíamos falar de “escola risonha e franca”, nos versos belos e nostálgicos de Olavo Bilac. E haverá quem me pergunte: Bilac? Ora, que vão “ver (e ouvir) estrelas”.Quanto a ser risonha e franca a escola, disso não me lembro, pois a nossa, de minha geração, foi rígida, exigente, disciplinadora, onde professor era professor, aluno, aluno. Escola que – já encerrado o “getulismo” da ditadura – mantinha vivos princípios que se iam transmitindo, cultora e guardiã de valores espirituais e cívicos. Eis um outro xis da questão: valores cívicos. Como falar-se em nação sem nacionalidade? Que brincadeira é essa de tanto insistir-se em cidadania, se se tornou “leit motiv” de qualquer intelectualzinho zombar de noções de pátria, de história, de civismo, de valores nacionais?

Constranjo-me em escrever a respeito do “9 de Julho” pela certeza dos vazios profundos das mais novas gerações. E por um vazio ainda maior, pessoal, vazio de ausências, saudade de figuras como Jacob Diehl Neto, Júlio Diehl, Nair Barbosa, Mariinha Teixeira Mendes e tantos outros – que cantaram aquela epopéia, chorando os nossos mortos, seus companheiros de “front”. Até recentemente, eu pedia a bênção ao pajé dessa nossa tribo, Walter Accorsi. Mas ele se também foi.

Na Praça José Bonifácio – por onde milhares de pessoas passam – está o monumento aos heróis piracicabanos, aos mártires daquela saga. Em pedra e bronze, marcou-se o heroísmo de homens que deram a vida por seus ideais e valores cívicos. Nos versos de Francisco Lagreca e em Piracicaba, a lembrança perenizou-se tornando o “9 de Julho”, pelo menos, uma saudade. Se poucos sabem o que a data significa, deveríamos – pelos piracicabanos mortos que acreditaram em um Brasil sem ditadores – repetir, pelo menos agora, a oração de Lagreca no monumento ao Soldado Piracicabano de 1932:

“Este é o valor da terra estremecida,/é o poema, a glória piracicabana!/ Pela Pátria a lutar, vida por vida/ tombaram com bravura soberana./ Dor e martírio de uma raça forte,/ que é luz e ideal de um sentimento novo!/ Sobre estas pedras não existe a morte,/ porque não morre quem defende um povo”

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