A inércia, solução para o trânsito
Nos últimos anos, uma Piracicaba inconsciente ou apenas egoísta ficou encantada com a abertura de novas avenidas, rotatórias, construções de pontes, algumas delas faraônicas. Pouca gente se deu conta de que, na realidade, estávamos caminhando na contramão. E, portanto, o decantado progresso era apenas um retrocesso. E o desenvolvimento, nada mais do que inchaço desordenado.
Perdemos oportunidades preciosas de – fiéis à nossa história de pioneirismo – termos dado exemplo de soluções para as graves questões sociais. Optamos por um novo coronelismo, em que grupos ou segmentos sociais são os maiores ou únicos beneficiários. Não falemos em educação, saúde, segurança. Fiquemos, apenas, na questão do trânsito, hoje tratado pernosticamente como “mobilidade urbana”. A quem serviram as obras – licitadas, terceirizadas, privatizadas, sei lá mais que diabo de obscuridade – senão a proprietários de veículos e, portanto, à indústria automobilística e toda a sua rede comercial? O homem, o povo, foi esquecido, ignorado, como nos velhos tempos do outro coronelismo que, aliás, foi apenas atualizado.
Por que não se aproveitou o grande plano para a recuperação ferroviária, naquilo que restou das antigas Paulista e Sorocabana? Havia, juntamente com a Unimep, um projeto audacioso de se retomar o trem como condução urbana, saindo da Paulista, ziguezagueando por bairros e chegando ao Taquaral. Com possibilidade de ir até Rio das Pedras. Chegou-se, inclusive, a ir em busca de financiamentos. O projeto desapareceu, nasceu morto. E voltaram as avenidas, tão do agrado dos empreiteiros, mas já tão superadas pois incapazes de resolver o problema da “mobilidade urbana”. Pelo contrário, agravam-no, diante do fascínio e a volúpia dos cidadãos – moldados por uma sociedade egoísta e individualista – de possuírem mais e mais automóveis.
Ao contrário de quase todas as grandes e médias cidades do mundo – que preservam e tentam recuperar suas áreas centrais, priorizando-as aos cidadãos – Piracicaba escancarou as ruas centrais para os automóveis. Para quê, senão para servir aos bancos? O povo perdeu espaço e, à noite, o centro é um deserto de almas e um paraíso para assaltantes e drogados. Onde foi parar o notável e também audacioso projeto de Cássio Padovani que pretendia um grande calçadão – formado pelo quadrilátero indo da Voluntários de Piracicaba à Floriano Peixoto, entre as ruas Governador e Boa Morte. O prefeito Cássio imaginou a proibição de veículos – a não ser de carga e descarga – com os cidadãos, em toda aquela área, servidos por bondes de atendimento gratuito. Quem sumiu com o projeto?
Campanhas de mudança de comportamento, de equilíbrio na cultura do automóvel, de criação de locomoções alternativas – bicicletas, motos com segundo assento para usuários, microônibus funcionando como os antigos “circulares”, tantas outras tentativas – deveriam ser prioridades da administração pública, além de ênfase total no transporte público. Mas isso não acontece pois rende poucos lucros, incluindo de votos. Por que – já que nada se faz – não dar subsídios a táxis para barateamento das corridas?
Mas há outra solução, radical, que funciona, ensinada por Amsterdã. Com o aumento de transportes individuais – e conseqüentes engarrafamentos, falta de vagas para estacionar, terrenos preciosos preguiçosamente transformados em abrigos de veículos – a administração de Amsterdã decidiu: “nada fazer, deixar como estar.” Foi a lei da inércia. E, com isso, a própria população foi desistindo de usar veículos particulares para questões secundárias, e voltou a usar o transporte público – com uma diferença daqui: lá é admirável – bicicletas, motos adaptadas. E andar a pé. Pois o homem contemporâneo, agora, não mais tem “cabeça, tronco e membros”. Tem “cabeça, tronco e rodas”.
Convenhamos: é um escândalo, um acinte – e eu me incluo nessa categoria – a multidão que usa os veículos para uma só pessoa. Tirante os trabalhadores – que necessitam de seus carros para prestarem serviços – que estupidez estamos, diariamente, cometendo? Ah! me esqueci: o outro não interessa, a comunidade não tem importância. No momento, porém, que um administrador decretar essa “lei da inércia” tudo poderá mudar. Pois veremos o ridículo de todos nós, parados no trânsito, sem poder ir e nem voltar, olhando, feito palhaços, um para a cara do outro. Ou há quem duvide de, dentro em breve, um engarrafamento total? Daí, de que adiantaram as majestáticas e ostentatórias pontes, ofensivas, por seu luxo inútil, a um modo de viver modesto e humilde da grande maioria de nossa gente? Não passarão de monumentos ao faraó. Bom dia.
Muito bom Cecílio. O 'desenvolvimento' que trouxeram para Piracicaba nos últimos dez anos colocou-nos no fim da fila, e olhando para trás.