Mulher, flor e trânsito

picture (20)Bastou-me falar em trânsito que as coisas se repetiram. Ou são como são e eu já não me lembrava, na insistência em me isolar para não ser atropelado por horda de bárbaros.

Ora, há algum tempo – acho cerca de quatro, cinco anos – escrevi sobre essa nova moda, a de “revisão de conceitos”. Parece que não se fala de outra coisa: rever conceitos. E, no entanto, alguns são pétreos, atemporais, parte da natureza humana e da própria existência do homem. Ou somos animais diferenciados ou somos apenas animais como outros quaisquer, alguns deles, aliás, tratados mais generosamente do que os humanos. Se o homem é um bicho qualquer, não há necessidade de muitos requintes e nem de maiores atenções: bastam uma cocheira e ração para se alimentar.

Sou do tempo em que motorista de automóvel era chamado de “chauffeur”. E era “chauffeuse” a sempre bela mulher ao volante. Ficávamos contemplando, até mesmo embevecidos, a delicadeza, o refinamento das refinadas “chauffeuses” de forma que a imaginação se estimulava a contemplações. De minha parte, ao ver as belas mulheres de antanho dirigindo seus automóveis, eu me deixava transportar aos tempos de Proust e então, em vez de automóveis eu via coches e as avenidas de Piracicaba me pareciam o Bois de Boulogne. Ora, mulher, como a flor, é o mais encantador dos seres vivos para se ter no imaginário. Ou era. Pois ando em dúvida.

Nos últimos anos, mulher ao volante me dá arrepios, medo, sensação de tragédia iminente. Menos de ser atropelado, mais de ser xingado, agredido e ofendido. Não me chamem de machista, pois me lembro de um velho amigo meu que assumiu a sua condição de gay aos seus gloriosos 70 anos. Ele, criticando a minha dileção por companhia feminina, me dizia o mesmo: “Gostar de mulher é coisa esquisita, coisa de macho.” Quem diria que, hoje, eu tivesse medo de mulher ao volante?

Eram civilizadas as relações entre homens e mulheres, tempos bons em que havia cavalheiros e damas. Fascinado, o cavalheiro abria porta para dama passar, puxava a cadeira, até beijava a mão para cumprimentar. E havia o conceito sagrado, pétreo, indiscutível e indiscutido: “Em mulher não se bate nem com uma flor.” Ah! tempos bons.

Pois bem. Já contei do dia em que a jovem e bela mulher – enquanto todos se enfileiravam à porta de uma padaria – estacionou na contramão, encurralando todos os demais automóveis. Não olhou de lado, entrou na padaria sem se importar com as demais pessoas, todas perplexas. Ao voltar e percebendo o nosso espanto, a jovem senhora esticou o dedo, o “pai de todos”, e emitiu o grito de guerra, sonoro e canoro dessa nossa nova geração de bárbaros: “fuck you.” Mas em português.

Confessei à época e repito: tive vontade, então, de revisar conceitos e de correr atrás da machona, para ver, então, quem era mais macho na disputa de machismo. Pois me parece ser isso o que certas mulheres estão pretendendo: ser mais masculinas e másculas do que os homens. Fiquei apenas na vontade, mas já com o desejo de revisar conceitos, alguns deles.

Por esses dias, aconteceu de novo. A jovem madama, grosseira, com seu carro importado, buzinava, ziguezagueava e, ao passar por mim e por outros, esticava o dedo médio, no gesto feminino, delicado, civilizado do “fuck you”. Certa mulherada, pelo visto, está procurando. Não sei se, da próxima vez, irei agüentar. Talvez, revisando conceitos, eu aceite partir para o pau. Literalmente. Bom dia.

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