A República dos sonhos

Fazendo confusão ou mal informados, alguns dizem ter sido Prudente de Moraes – diante dos descalabros do início da república brasileira, em mãos de militares – quem pronunciou a frase-desabafo: “Esta não é a república dos meus sonhos.” Na verdade, a lamentação foi de Saldanha Marinho, um dos mais combativos jornalistas e políticos brasileiros, grande líder em prol da instalação da República. Ao ver os desatinos de Deodoro da Fonseca e de Floriano Peixoto, Saldanha Marinho enxergou que o sonho republicano fora frustrado. E que apenas viria a receber sopros de dignidade com a vitória do civilista Prudente de Moraes.

O Brasil, ainda hoje, luta para se transformar numa república séria, verdadeira, decente. No tempo dos coronéis – da então “república velha”, derrubada pela revolução de 1930 – o que houve foi mudança de donos: do imperador para os oligarcas. Depois, a ditadura de Getúlio Vargas que se, na verdade, instalou o Estado Brasileiro, não passou de uma ditadura. Sómente após a II Guerra Mundial, com a Constituição de 1946, tivemos experiências democráticas memoráveis, apesar de lutas terríveis pelo poder, de corrupção persistente, mas de conquistas memoráveis. Tudo iria terminar com o golpe militar de 1964. Mais uma vez, não se realizava a “República dos Sonhos “ de Saldanha Marinho.

Após a ditadura militar – mesmo com a auto-denominada Constituição Cidadã – continuamos vivendo a saga de, ao mesmo tempo, ser e não ser. A democracia – se for vista apenas como eleições livres e rotatividade do poder – está relativamente consolidada, mesmo porque ainda há feudos de novos coronéis, agora travestidos de donos de partidos e com muito poder político-econômico.

O desenvolvimento econômico do Brasil é inegável e, nestes últimos dez anos – a chamada “era Lula/Dilma” – temos visto melhoras alvissareiras. Mas a fragilidade republicana e democrática continua. As instituições estão sólidas apenas no sentido de ser abrigo para privilegiados. Educação, saúde, segurança – entre tantos outros setores que dão vigor à cidadania – estão em estado calamitoso, fruto de dezenas de anos de descaso, abandono e desinteresse.

A “coisa pública “ – a “res publica”, que é fundamento da alma republicana – é, ainda, uma velha e esperta prostituta a serviço dos mais espertos e poderosos. A miséria persiste em faixas imensas da população, apesar da grande ascensão das ditas “classes emergentes” que, no entanto, são mais valorizadas pela sua capacidade de consumo – os “novos consumidores” – do que por sua consciência de cidadania. Mais do que verdadeiros e lúcidos cidadãos, são voláteis consumidores. Uma crise econômico-financeira que atinja o Estado brasileiro fará evaporar essa nova e chamada Classe C. Não tem consistência, além daquilo que ainda pode consumir.

A República dos Sonhos – de Saldanha Marinho e de todos os cidadãos conscientes – implica, primeiramente, em uma democracia realmente sólida que persiga a justiça social. Essa república tão almejada e sonhada não pode admitir fossos tão profundos de desigualdade social, cultural e econômica. O Brasil, hoje – com seu crescimento inegável, 6ª.potência econômica do mundo – está portando-se como o novo rico que, sem senso de ridículo ou noção de pudor, exibe suas aquisições materiais sem saber, na verdade, o que elas significam ou para que servem. Uma república verdadeira e decente tem elos de união indissolúveis, que são a síntese das aspirações de um povo. São elos de solidariedade, de civismo, de orgulho nacional, de cidadania consciente, de uma consciência coletiva justa e nacional.

Os intelectuais e políticos – entre eles Saldanha Marinho e os Moraes Barros – que imaginaram a república proclamada em 15 de Novembro de 1899 sabiam o que pretendiam, pois a experiência de uma nova estrutura político-social já estava implantada em outras partes do mundo, em especial nos ideais da revolução francesa e na formação republicana dos Estados Unidos.

Estamos, ainda, em busca dela. E, mais do que nunca, é preciso insistir, acreditar, rever, limpar, expurgar, como numa faxina geral a um ideário republicano viciado e superado. Há uma república viciada e viciosa. Mas não chegamos, ainda, à “República dos Sonhos”. Ir em busca dela é preciso, numa construção coletiva, com a consciência de cada cidadão consciente do valor da brasilidade.

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