Caos, pai e mãe

Na verdade, tudo aconteceu por acidente e já contei a respeito disso. Eu fora convidado a passar um dia com jovens, num encontro de juventude. Minha responsabilidade era fazer palestras relâmpagos, abordar temas que os instigassem e, nos intervalos, ficar à disposição para conversar. Naquela tarde de 1985, tive – sinto-o ainda hoje – uma das minhas mais culminantes, amargas e reveladoras experiências de vida, a que me derrubou pretensas cristas de sabedoria intelectual. Foi quando a adolescente de apenas 16 anos, com tremor na voz, me convidou a acompanhá-la à capela do aprazível local de encontro. Ainda que surpreso com o convite, aceitei-o.

Havia um pequenino altar, a pálida luz vermelha, o sacrário oculto por entreaberta cortina de veludo vermelho. A adolescente dirigiu-se ao sacrário, pedindo-me a acompanhasse. Ela confiava em mim. Deixei-me conduzir. A menina ajoelhou-se diante do sacrário, ajoelhei-me ao lado dela.

Na penumbra da capela, a menina me implorou, uma súplica de náufraga: “Me dê um tapa na cara…” E as lágrimas lhe escorriam no rosto. Confesso ter desejado sair dali. Mas era um pedido de socorro. E ela insistiu: “Me dê um tapa na cara.” Então, sob o sacrário, dei-lhe um tapinha na face, leve como uma carícia. Então, a menina desabou, um corpo que ruía, seus soluços batendo-me no peito. Ela gemeu: “Nunca recebi um tapa ou um abraço de meu pai.”

Aos 16 anos, ela e o namorado tinham vida sexual confusa e atormentada. Seus pais e irmãos, professores e amigas sabiam. E ninguém lhe dissera se era correto ou incorreto o que e como ela fazia. A menina sentia-se perdida por, simplesmente, estar sendo ignorada, diante de uma liberdade para a qual não fôra preparada. Sem um tapinha ou um carinho de pai, ela não era ninguém.

Os últimos acontecimentos – de crianças violentas que promovem a revolução da desordem – essa tola e inútil procura de culpados ou de responsáveis. Não são instituições jurídicas, sociedades abstratas, não são conceitos, especulações filosóficas ou sociológicas ou políticas ou econômicas os responsáveis pela desordem de nossos tempos. A tragédia da sociedade ocidental tem responsáveis, sim. Com nome, cara, registro, residência: a família. E, na família, responsáveis são mãe e pai. E, em especial, a mãe, mistério inexplicável.

O mundo precisa que a mulher volte a ouvir as próprias vísceras para, então, ser mãe para valer, em todas as circunstâncias, em quaisquer condições. Há mulheres cuja ação marcam seu tempo, pensemos em Hillary Clinton, em Dilma Roussef, em Tereza de Calcutá. São referenciais de pessoas humanas competentes que se dedicaram a uma causa, a um ideal. Fariam o mesmo sucesso se fossem homens. Mas estou falando de mães. Nem Hillary, nem Dilma, nem Tereza de Calcutá, nem a Rainha Elizabeth, nenhuma dessas poderosas mulheres podem ser vistas como modelos de mães. E o mundo precisa de mães.

Mães constroem homens. Se o mundo se lamenta da ausência de homens, se famílias se lamentam da falta de referenciais masculinos para os filhos – é hora de abandonar desculpas inconsistentes e mentirosas. E admitir: a falta é de mães. Pois apenas mãe cuida, apenas mãe sabe cuidar. E o mundo se destruiu por falta de cuidados. Escola pode ensinar, instruir em disciplinas necessárias às profissões. Educação é construção que vem da família. Do ventre, do seio de mãe. Pai suplementa. A demência e a violência infantis são gritos de órfãos de pais vivos. Bom dia.

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