Devastação e infestação.

A ProvínciaApesar de toda sua pretensão e arrogância, o ser humano nada mais do que um outro animal na face da terra. Vá lá que seja um animal diferenciado, mas isso não significa venha a lhe dar superioridade sobre os viventes na natureza. Porém, a Enciclopédia de Diderot e outros luminares franceses referia-se ao homem como, entre outras observações, “ser que pode mover-se livremente pela superfície terrestre e é o dominador de todos os outros animais que nela habitam.(…) Melhor e mais malvado do que o animal, o homem, justamente a este duplo título, merece estar acima dele.” Isso, em 1750. E a concepção de homem, a partir de então, se tornou ainda mais pretensiosa.

O curioso – ou tragicamente irônico, acrescentaria eu – é que, etimologicamente, a palavra homem origina-se de “humus”, que é terra. Logo, homem e terra estão de tal forma ligados que há um cordão umbilical que deveria ser inseparável em toda essa história. Como filho e mãe. E se mãe cuida do filho e filho tem cuidados com a mãe, o mesmo esperava-se acontecesse com o homem e a terra. No entanto, o homem parece ser um homicida por natureza, tanto assim que os próprios deuses que andou criando ao longo dos tempos são, quase todos, cruéis e homicidas. Deuses que exigem sangue e que fazem, do sangue, simbolismo de vida, de morte e até mesmo de ressurreição.

Para ser franco, retornei deprimido de um giro mais longo pela cidade. E fiquei deprimido, daí a razão de ter-me voltado a refletir sobre o homem, esse animal admirável capaz de todas as grandezas e de todas as misérias. Essa contradição é que, na verdade, traz algum alento. Pois, quando se lembra de um Hitler ou até mesmo desse goleiro Bruno, imediatamente vem o contraponto, a beleza frente à feiúra, a capacidade humana de se aproximar do divino: um Bach, um Beethoven, um Mozart, um Monet, um Francisco de Assis, um Fernando Pessoa.

De qualquer maneira, basta andar por aí, por qualquer lugar habitado pelo homem, para se ver a devastação. Costumamos falar de grandes feitos, de grandes conquistas: rodoanéis, pontes, obras notáveis de engenharia, prédios inteligentes, além das conquistas impressionantes da ciência e da tecnologia na comunicação, na saúde, em todas as áreas da atividade humana. Mas há devastação, mesmo com as grandes conquistas. Devastam-se campos, matas, capoeiras, bosques, destruindo a natureza, poluindo rios, o ar, o ambiente e as pessoas. E estas, multiplicando-se como ratos, já são responsáveis por uma assustadora infestação humana no planeta.

Confesso estar com medo de pensar coisas que passariam por cruéis ou tirânicas. Mas confesso, também, não estar vendo outra saída, diante dessa infestação humana, senão o cumprimento das próprias leis da natureza que, em superpopulações de animais, cria condições para a destruição do excesso e o restabelecimento do equilíbrio. Pestes e pragas constam da história humana como responsáveis pela dizimação de povos, de nações, de ciclos inteiros de civilização e de cultura. Os crentes e religiosos e tementes a Deus falam em castigo divino, no que não acredito. Mas creio em reação natural, naquilo que os franceses alertam: “chassez le naturel et il vient au galop.” – expulsai a natureza, ela volta a galope.

Devastação do mundo, infestação humana, eis o quadro já dantesco que estamos presenciando, como se nada mais tivéssemos com isso, especialmente nós, mais idosos e vividos, que temos memória de lembrar como foi o que havia sobrado do paraíso. Que pena essa devastação, que lamentável essa infestação. Mas é assim que caminha a humanidade, na visão religiosa de “crescei e multiplicai-vos”, “ide e conquistai o mundo.” Ouvir a natureza é mais sábio do que pensar estar ouvindo vozes do Além. Bom dia.

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