Dona Jandira e a pitangueira

Tinha uma senhora idosa, dona Jandira, que costumava telefonar-me de Sumaré, leitora de minhas crônicas de um jornal de Campinas. Não a conhecia pessoalmente, nunca a vi. No entanto, pelo que me dizia ao telefone, eu a via como um camafeu, conseguia até mesmo imaginar a sala de sua casa, com velhos quadros nas paredes, móveis antigos, consolos, tapetes e, não sei porquê, cortinas de veludo na janela. Acho que a via dessa maneira pelas coisas que ela me dizia. Eram coisas antigas, valores que ainda emocionavam.

Certa vez, ela me telefonou simplesmente para dizer: ”No quintal, a pitangueira floriu.” De início, pensei fosse tolice, caduquice. Rapidamente, porém, entendi: ela me dizia que a pitangueira tinha florido, falava-me de um mundo que os seus olhos viam e os meus não estavam vendo. Era como se ela quisesse dizer-me para ver que a vida, na natureza, continua explodindo em belezas, enquanto, no mundo das pessoas, ela se arrasta com conflitos e confrontos.

Entendi, acabei interrompendo o que eu fazia e fui olhar meu jardim. Lá estavam as minhas flores renascidas, as árvores que voltavam a ser verdes, as plantas cheias de vida. Era Primavera e eu não havia percebido. Mas dona Jandira, minha amiga desconhecida, a vira, sentira-a, estava feliz por isso e me telefonara para compartilhar sua felicidade. Ela é sábia, tem insistido em mostrar-me isso e, no entanto, há momentos em que chego até a aborrecer-me com alguns de seus telefonemas, o que prova quanto estou longe de ter qualquer sabedoria. Pois me dei conta de que, tendo escolhido morar à distância, no silêncio e meus espaços, não me lembrava mais da última vez em que fui ver se as plantas estavam bonitas, se precisavam de cuidados. Nem sequer vira que já havia flores – centenas delas – em meu jardim.

De uma certa forma, aprisionei-me ao meu cantinho, aos livros, ao trabalho de escrever. Há vezes em que vejo, de repente, que o dia clareou, que comecei a escrever com a lua e ela se foi para o sol chegar. Então, percebi que não vi em mesmo a lua, na longa noite em que fiquei escrevendo, nem vi o sol raia. Fiquei comigo, dentro de mim, temendo criar vida com as palavras e não percebendo que havia abundância de vida ao meu redor. O nome disso é tolice. Querem ver? Em busca de música, deixei os discos tocarem a noite toda. E, pela manhã, não percebi o sim, a música, o concerto dos passarinhos, mas dona Jandira me telefonara para contar, apenas para contar, que a pitangueira dela estava florindo… Bom dia.

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