Dossiê Jango: “Nunca mais!”

Dossiê Jango

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Quando chegou ao final, arrependi-me de ter assistido ao documentário “Dossiê Jango”. Pois foi um retorno ao passado de tal forma realístico que toda a amargura daqueles tempos tenebrosos retornou de forma inesperada. E descobri que – dentro de mim, escondido em algum lugar bem fundo – estavam tristezas e mágoas ainda não cicatrizadas. Como foi possível tudo aquilo? E como conseguimos sobreviver ao terror, pelo menos o vivido diariamente em alguns poucos meios jornalísticos e intelectuais?

Desgraçadamente, a memória brasileira é curta. E as versões da realidade sempre são – em especial nos chamados grandes veículos de comunicação –  transmitidas conforme interesses grupais. Já quando da renúncia de Jânio Quadros, pintava-se uma imagem diabólica do afável João Goulart, o Jango lá dos Pampas. Ou mais verdadeiramente: desde o governo de Getúlio Vargas, passando pelo de Juscelino. Jango – um latifundiário gaúcho, de fortuna incalculável e que usava medalha de Nossa Senhora no pescoço – foi pintado e bordado como perigoso comunista, um subversor da ordem democrática. Ou, então, como um incapaz, um incompetente, sem qualquer autoridade.

As multidões e greves – mais do que atualmente – ocupavam as ruas, paralisavam o trabalho e a produção, causando danos à economia e a culpa era lançada sobre ele, João Goulart. No entanto, a imprensa sonegava, ao povo, a informação de os Estados Unidos terem um projeto de levar a América Latina à submissão, à “pax americana”, financiando candidaturas e meios de comunicação, infiltrando agitadores nas multidões e até mesmo em esferas militares. Foi o caso do Cabo Anselmo, que causou um levante desmoralizador à Marinha, revelando-se como agitador comunista quando – como se revelou depois – era um simples mercenário contratado pela CIA para causar a desordem.

Poucos fomos os que resistimos, não acreditando nas falácias e indignando-nos com a violação dos direitos, o desmonte do regime democrático e a perda da liberdade. Passamos a ser – nós, os que resistimos – os subversivos, quando a subversão fora a dos golpistas, com financiamento – agora provado, comprovado e confessado – dos Estados Unidos. Como conseguimos sobreviver? Não sei. Mas sei do desprezo que temos pelos que aplaudiram as violências e a tirania. Os Estados Unidos – de tanto temerem a pequenina Cuba – tentaram impedir que a América do Sul a tomasse como exemplo. Era um medo infantil. Mas conseguiram inundar de sangue o continente: Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, em especial.

Os judeus, ainda agora, insistem em manter viva a memória do Holocausto. Eles sabem o que fazem e sabem o porquê. “Holocausto, nunca mais!” – é a mensagem, o mantra permanente. No Brasil, as mais jovens gerações – homens e mulheres com menos de 50 anos – pouco ou quase nada sabem do que foram os “anos de chumbo” da ditadura militar no Brasil. Sabem algo da redemocratização, das “diretas-já”, mas não das causas, da origem, das mentiras, das farsas, dos engodos e dos espíritos, mentes e instituições comprados a peso de ouro, em dólares.

O documentário “Dossiê Jango” fez-me mal. Foi como um filme passado do fim para o começo em minha memória. Por isso, doeu, amargurou. No entanto, é uma contribuição magnífica, honesta, documentada da grande armadilha preparada aos brasileiros, com conseqüências vivas ainda hoje. Os jovens – especialmente os que se animam com esses movimentos desconexos e mal explicados nas ruas – deveriam ver e rever esse documentário riquíssimo em provas, em desmentidos, em confirmações. “Dossiê Jango” – em especial nos dias confusos que estamos vivendo e que podem se complicar ainda mais – precisaria entrar na inteligência e na consciência de nossa juventude. Como um aprendizado. Como um ensinamento. Para que as novas gerações saibam que – por trás de aparentes boas intenções, como esses elogios a manifestações ruidosas – se escondem, quase sempre, interesses nem sempre revelados, mas sempre pérfidos.

As novas gerações – se e quando assistirem a “Dossiê Jango” – saberão porque não deveriam entrar em movimentações alienantes e sedutoras. Foi assim que tudo começou nos 1960. Assistindo a “Dossiê Jango”, as multidões de jovens brasileiros poderão entender – e gritar conosco, os mais velhos – o brado da indignação e da liberdade: “Ditadura, nunca mais!”

Bom dia.

2 comentários

  1. Vardir Chamma em 30/08/2013 às 12:27

    Cecílio, PARABÉNS! MIL PARABÉNS! Você foi extremamente feliz, didático e, sobretudo, historiador nesse relato do que sente qualquer um que passou pela ditadura brasileira ao assistir o "Dossiê Jango". Gostei demais quando você cita o "mantra sobre o holocausto". E o sofrimento do povo africano que não dá mantra nenhum, não???
    Vardir

  2. Delza Maria Chamma em 30/08/2013 às 12:31

    Excelente!!!!!!! Concordo e assino embaixo do comentário de Vardir.

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