Enochatos e Bigeto

picture (92)Houve um momento em que canastrões, tentando seduzir certo tipo de mulher solitária, arrogaram-se ser especialistas em vinho. À época, uma divertida reportagem, em revista semanal, pôs a nu duas novas categorias que beiram o ridículo: o “enobobo” e o “enochato”. São os que, dizendo entender de vinhos, se fazem de enólogos, de enófilos, imitando sommeliers. É um grupo que cresceu e, agora, entrou em compasso de mais humildade. Viver é mesmo divertido.

Quando penso neles, lembro-me do Bigeto. E não se confunda com o de São Paulo, na rua Avanhandava, ao lado da “Famiglia Mancini”. Aquele é o “Gigeto”, que – por longos anos – foi glória da noite paulistana, lugar de encontro de intelectuais e de artistas, agora em processo de revitalização. Mais do que vinho, o “Gigeto” deliciou gerações com massas suculentas acompanhadas por caipirinha e cerveja. Aquele de que me lembro é o nosso Bigeto, o inesquecível bar do Bigeto, na rua Moraes Barros, próximo à igreja do Bom Jesus. Era bar, restaurante, casa de massas, com o inevitável e essencial espaço para jogo de bocha.

Na verdade, era pouco mais do que um boteco, parecido com muitos ainda existentes no “Bixiga”. Mas com uma vantagem: o especial, o fundamental no Bigeto era o próprio Bigeto, o dono, o Mário Guidollin, pai de meu amigo Zezo. Quem não comeu dos pratos preparados pelo Bigeto perdeu a alegria de saborear, por exemplo, polenta de reis, o pessoal de Santana me desculpe. O Tone Kraide – antes de falececer, octogenário e testemunha ocular de nossa história – ainda contava com detalhes como foi o grande jantar do Bigeto, aos piracicabanos campeões do mundo de 1958, De Sordi e Mazolla.

Os tais “enobobos” e “enochatos” podem encantar o mulherio desparceirado, mal-amadas com todo um ritual próprio do metrossexual. Pois, realmente, é quase infalível a fórmula para seduzir mulher tola, faminta de romance: luz de velas, vinho, música suave, falar de viagens ao exterior, mostrar cultura inútil – e, depois, seja o que Deus quiser. Duvido, porém, houvesse mulher – boba ou inteligente, não importa – que resistisse ao encantamento rústico de um jantar no Bigeto: macarronada com sangria, sabe lá o que é isso, madama? E filé com fritas e cerveja? Ou bife a cavalo com caipirinha? Haverá, ainda, quem saiba fazer bife a cavalo? Se madama nunca ouviu falar em tais especiarias, é pena. Pois gostar de um Marsala qualquer bobo gosta. Sangria do Bigeto, essa foi para poucos.

Viver é ainda mais divertido quando se é jornalista do cotidiano, atividade semelhante à do escriturário, registrando a crônica da patética história humana. Na escrituração de cada dia, o cronista anota – como aqueles escreventes da Corte – a aventura do cotidiano, que, quase sempre, chega ao ridículo. Ou há figura mais triste do que a do canastrão moderno, repetindo – sem saber de quem se trata – o velho estilo de Rodolfo Valentino? Pelo visto, tudo realmente se repete. Pois, desde Greta Garbo, nunca faltou mulher para tentar parceria com canastrão.

O esquisito de tudo é que – enquanto “enobobos” e “enochatos” se divertem – o Brasil conquista o mundo com a velha cachaça, que, no passado, foi um dos mais conhecidos produtos de Piracicaba. Especialistas internacionais entoam loas à cachacinha brasileira. Foi o que, há poucos anos, mostrou um dos mais respeitados sommeliers do mundo, o francês Eric Baumard, com sua receita de bom gosto: “sol brasileiro e coquetel de cachaça”. Para se ver que o velho Bigeto enxergou longe: na França, romance se faz com caipirinha. Pois é. Bom dia.

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